Tudo delas?
(Crónica originalmente publicada em Agosto na Lux Woman)
Uma revista norte-americana dedicada às elites pensantes, a “The Atlantic”, dedica uma edição especial por ano a explorar e divulgar novas ideias que podem mudar o Mundo, ou pelo menos a forma como o observamos. Normalmente as “ideias” que a “Atlantic” amplifica são interessantes, divertidas, inquietantes.
No “especial” deste ano, chamou-me a atenção a capa: “The End Of Men”, um título acompanhado pela sinalética masculina com a seta, normalmente virada para cima, tristemente caída para o lado direito. Como se a virilidade masculina tivesse perdido o fôlego... O artigo, assinado por Hanna Rosin, sustentado por muitos factos e números (da força de trabalho norte-americana, pela primeira maioritariamente feminina em 2010, à relação entre a presença das mulheres nas direcções das empresas e o melhor desempenho das companhias), procura demonstrar que neste começo do século XXI as mulheres estão efectivamente ao nível dos homens. Não apenas nos direitos, nas garantias, nas liberdades, mas também na potencial “competição” no mundo do trabalho.
Até aqui, nada de novo. É o resultado de um árduo trabalho de muitas décadas pela conquista de direitos essenciais – hoje, óbvios, mas nem sempre tão óbvios assim.
O artigo, no entanto, vai mais longe e deixa uma pergunta com água no bico: e se, na verdade, as mulheres não quiserem apenas a igualdade, mas quiserem mesmo o poder, a supremacia, a liderança? Assim, de rompante, a pergunta até pode parecer assustadora. Como se as mulheres constituíssem uma raça à parte, organizada, com “um plano secreto” para tomar conta disto. Em conversa com amigos e amigas, esta teoria da conspiração ganhou rapidamente adeptos: “é óbvio que nós queremos mandar”, disse-me uma jornalista, ao lado de quem um advogado tranquilo sorria: “querem, mas não sabem...”.
O debate foi rapidamente transformado num momento de humor com a clássica troca de mimos entre os dois sexos. Mas eu fiquei a pensar no tema – não pelo lado conspirativo, mas pelo lado efectivo. E se de uma vez por todas as mulheres ocupassem o poder, fossem maioria nos governos, nas empresas, nos sindicatos, no Parlamento?
A esta pergunta, a minha resposta foi: por mim, sim. O que hoje se valoriza na actividade humana – inteligência emocional, capacidade de multiplicação de actividades, capacidade de comunicação -, sempre foi mais feminino do que masculino. O que me seduz e atrai no meu semelhante é a sua capacidade de dar, no sentido mais puro da dádiva: emoção, sentimento, criatividade. E sempre associei tudo isto ao universo das mulheres.
Agora, a pergunta fatal não seria a do poder. Seria esta: e um mundo dirigido por mulheres seria melhor, mais feliz, mais justo? A revista não responde. Infelizmente, receio ter de dizer que não. Porque independentemente das diferenças entre homens e mulheres, a ideia de justiça associada a um mundo melhor tem mais a ver com a raça, em geral, do que com o género, em particular. Um fundamentalista religioso é o mesmo, qualquer que seja o sexo. Um radical político não distingue sexo. E ainda que seja preciso recuar no tempo para encontrar uma poderosa mulher realmente má, como Lucrécia Bórgia, que se dizia usar um anel oco de onde pingava veneno para os copos das suas vítimas, tal facto só ocorre porque o poder, lamentavelmente, tem sido deles. Se a “Atlantic” tiver razão, esse tempo acabou. Mas nem por isso Vasco Pulido Valente deixará de ter razão com a sua clássica frase: “o mundo está perigoso”.