O adeus (de todos os dias) daquele senhor
Também me impressionou a morte do “Senhor do Adeus”, João Serra. Mas confesso que a presença solitária daquele homem na noite da avenida, na beira do passeio, a dizer adeus a quem passava, me pareceu sempre demasiado triste para ser uma história bonita. Paradigmática das nossas vidas pequeninas: ele dizia adeus, ele dava-se aos outros, e os outros acenavam... mas nunca paravam.
Ele sorria – mas era um sorriso fingido, ainda que sincero, porque na verdade pedia companhia e só recebia acenos. Era um homem demasiado só – e aqueles que lhe acenavam persistiam em deixá-lo só, numa espécie de hipocrisia transparente e aceitável.
Não tenho a certeza de olhar para este quadro como uma história bonita, mesmo acreditando na generosidade de João Serra e na legítima intenção que o movia. Nas entrevistas que deu percebia-se o gosto pela atitude – mas nunca lhe senti o “adeus” como um fim em si. Ele próprio preferia que se dissesse que fazia um “olá”. Por mais sentido que fosse o gesto das centenas de pessoas que há dois dias foram lembrar o “Senhor do Adeus” no Saldanha, pergunto-me quantas delas algum dia pararam para o cumprimentar MESMO - ou, vá lá, pararam nas suas existências para pensar naquele "nítido nulo" drama, que não consigo deixar de associar a uma qualquer ideia de miséria.
Bonito e terno, solidário e amigo, isso sim, foi o gesto conjunto de Filipe Melo e Tiago Carvalho. Em vez de acenarem e seguirem, um dia pararam e falaram com João Serra. Perceberam que gostava de cinema. Ficaram amigos e passaram a ir com ele, todas as semanas, ao domingo, ver um filme (há um blogue aqui para memória futura). Uma noite por semana, João Serra não tinha de distribuir acenos na avenida - porque efectivamente, por momentos, não estava só.
Aqui entre nós, eu teria preferido deixar de ver, em vida, o “senhor do adeus” cumprimentar quem passava. Era sinal de que a solidão tinha um fim diferente do fim que sabemos agora que teve.