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Pedro Rolo Duarte

05
Nov17

Saber pedir desculpa

Sobre o caso Manuel Maria Carrilho / Bárbara Guimarães - e o facto da legislação ter safado, por enquanto, o “filósofo”, de debater em ambientes mais informais e simples, Aristóteles e Nietzsche, talvez num abordagem retórica às prestações intelectuais de Jorge Jesus e Manuel Machado -, já tudo foi dito e desconfio que até Carrilho, antes de adormecer, encolhe os ombros e dá razão à condenação.

Não desmancha o sorriso cínico, a soberba na atitude, uma pose altiva de quem tem cartas na manga, e até consegue parecer o que nunca foi: um cavalheiro. Mas a isso já nos tínhamos habituado.

O que ainda não vi suficientemente analisado, escrutinado, naqueles modismos recentes, como o “fact check”, foi a evolução dos media no acompanhamento das notícias. No começo, recordo, o tema estava limitado às chamadas “revistas sociais” e ao “Correio da Manhã”. Notei aqui, neste blog, que o incauto cidadão que lesse apenas o “Público” ou o “Expresso”, para dar apenas dois exemplos, não saberia do grave conflito – crime público, não é demais sublinhar. O mesmo se passava com rádios e televisões, que achavam que estávamos no domínio na invasão da privacidade de vidas de figuras públicas.

Aos poucos, timidamente, as informações foram ganhando uma dimensão que começava a tornar vergonhosa passar-lhes ao lado. E por fim, quando o primeiro dos processos chega ao seu (primeiro) termo, com a condenação clara de Manuel Maria Carrilho (cujas declarações públicas, em directo para as televisões e jornais, já constituíam em si uma auto-condenação ética, moral, de respeito pelos menores seus filhos, e claramente ofensivas e atentatórias para a dignidade da ex-mulher), a notícia é pacificamente divulgada por todos os media como aquilo que sempre foi: um caso grave de violência doméstica, manipulação emocional, um caso de policia. Parece que caiu do céu aos trambolhões. Ou que sempre lá tinha estado. Não tinha.

Sabem o que mais me incomoda no meio desta tristeza sem nome? Que nenhum meio de comunicação, sempre a reclamar cabeças de ministros e exigir pedidos de desculpa pelas más práticas governativas, não tenha a humildade de reconhecer que, desta vez, errou grosseiramente num episódio que desde o começo trazia consigo a lama toda no ventilador. Era só ligar.

03
Nov17

O Tomaz

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Até quase aos 40 anos, tive uma sorte brutal: com raras excepções, cada pessoa que entrava na minha vida, ou vice-versa, por razões profissionais ou pessoais, era uma mais-valia, e orgulho-me de ter aprendido a viver muito bem acompanhado. Quando dei pelos factos tinha mais amigos do que tempo de qualidade para lhes dedicar. Cheguei a dizer, nas conversas parvas de fim de noite, depois de acabar o gelo, que não queria conhecer mais ninguém, até porque não havia mais ninguém para conhecer.

As infantibilidades taxativas que tantas vezes sublinhavam alguma arrogância tinham de ser pagas – e logo ao virar da década seguinte, abriram-se as hostilidades. Vieram as revelações tristes, as desilusões, os telefones que não tocam quando antes eram excessivos, e um longo caminho de pedras que, por pior que tenha sido nalguns momentos, me recolocou no universo e me deu o banho de humildade e simplicidade de que precisava.

Como se não bastasse, ainda me acrescentou uma lição sobre as certezas: julgava que havia algumas, mas não há uma única. Foi assim que, depois dos 40, e ao contrário do que me parecia óbvio, conheci algumas das pessoas mais importantes da minha vida, aproximei-me de quem não esperava, e dei comigo a pensar nos anos perdidos a julgar que o “mundo cá fora” estava cheio de “não presta”, como dizia a madrinha da minha mãe.

Não estava. Havia gente que me fazia falta e eu não sabia. Havia gente a quem talvez fizesse falta, e não sabia. Acima de tudo, havia gente “lá fora” e eu persistia em manter a porta fechada.

Foi muito graças à minha mais que muito amiga Teresa Esquível que as coisas mudaram – a sua forma livre e desabrida de viver, a ausência de preconceitos idiotas, um coração do tamanho do mundo, uma amizade sem limites nem fronteiras, e uma inexcedível capacidade de transformar em humor, ou amor, a maior contrariedade, ajudaram a libertar-me das merdinhas todas que se nos colam na vida.

Tudo isto para chegar aqui: por causa da Teresa, tarde mas felizmente ainda a tempo de lhe reconhecer o melhor, conheci o Tomaz Bairros, de quem ouvira falar muitas vezes no tempo das “portas fechadas”. Quem o conhece percebe que a frase da coca-cola se lhe aplica como uma luva: primeiro estranha-se, depois entranha-se.

Comigo foi. Estes dez anos em que convivi com o Tomaz, aprendendo a ler-lhe aquele olhar entre o malandro, o ausente e o eufórico, foram sempre, sempre, lições. De humor, de simplicidade, de inteligência, de cultura, de voar numa única frase de um concurso de karaoke a um estudo aeronáutico improvável; de receber dele os conselhos do prazer – “não há entrecosto como o do...” -, de o ver de fato e gravata com a mesma atitude com que participava activamente nas festas da sua terra.

O Tomaz foi a surpresa que já não se espera – e a sua morte, a tristeza funda que não se deseja a ninguém. Hoje é um dia muito triste. Muito triste. Não há como contornar as palavras. São o que são. E ardem cá dentro.

02
Nov17

“Não me gritem!”

(Crónica de hoje na plataforma Sapo24)

Os estudos poderiam querer enganar-nos, mas a realidade ainda somos nós quem a faz todos os dias. E certamente todos os dias há menos um espectador clássico de televisão, e no seu lugar nasce o programador da sua própria emissão, vista na plataforma que entende, às horas que quer, e como quer. Os estudos reconhecem-no, por piores que estas noticias sejam para os seus principais utilizadores, que constitui toda a gama de intermediários que nasce no produtor e acaba no consumidor. Nunca como hoje fomos tão donos das nossas escolhas – com dinheiro, sem dinheiro, em espaço público ou privado – o que deve dar dores de cabeça a quem tem por obrigação vender-nos “coisas” em massa. Costumo dizer que o único lugar onde ainda me apanham a ver publicidade num ecrã é mesmo nas Caixas Multibanco, porque sou forçado a esperar pelas instruções do bonequinho...

Ainda assim, deve haver uns “chatos” profissionais cuja missão consiste em atazanar a cabeça dos publicitários, dos compradores de espaço, dos negociadores dos canais de TV, e que ainda não perceberam quão prejudicial pode ser a publicidade martelada para quem só aguarda pacientemente pelo bloco de notícias seguinte.

Falo por mim. Escolho os raros programas que me interessam nas TV’s generalistas e de cabo, e opto por gravar e ver mais tarde, ou agarrar-me ao comando a puxar “a fita” para trás (tão anos 80, não é?). Mas confesso que ainda sou um “viciado” em noticias e, além de um dos 3 telejornais dos canais generalistas (vou alternando, sem grande critério...), acabo por “perder” mais alguns bocados da noite no clássico zapping por entre os canais informativos especializados (incluindo a CMTV, não me envergonha dizê-lo...). Imagino que, desorientados e sem margem de manobra, os negociadores de espaço, depois do “discurso oficial” sobre os media, que não estão a saber adaptar-se ao digital (como se eles tivessem no bolso a chave do tesouro...), cedam ou convençam ou se convençam que chegam lá pela insistência.

O resultado é trágico: além de desligar o som quando sou apanhado na curva por um bloco publicitário de longuíssimos minutos, tenho um top de marcas e produtos que, de tantas vezes me chamarem atrasado mental, martelando na mesma mensagem e no mesmo discurso, como se tivesse cinco anos, estão riscados da lista de potencial cliente, mesmo que “de borla”. A memória é manhosa, mas nunca me verão tomar Memofante; talvez pague os mais caros seguros do automóvel do mundo, mas não me passa pela cabeça ligar à Tele-seguro; o nome Trivago causa-me urticária; recuso-me a entrar na Worten; só a tiro de caçadeira abrirei conta no Bankinyter; e fujo a sete pés das promoções da marca Finish. Não adianta falar de automóveis e de promoções do mundo das telecomunicações, porque a confusão e a tentativa de canibalizar mercados chegou ao ponto de já não distinguir um BMW de um Renault. Este conjunto pequeno daquilo a que chamo “marcas-melga” está a afastar-nos até dos produtos de que potencialmente seríamos compradores e a que ainda nos prendia alguma publicidade: a imaginação, a criatividade, a surpresa, o momento bem escolhido para entrar “no ar”. No desespero de vender um pouco mais pela insistência, pela martelada, pela falsa ideia de que somos moscas atrás do néon iluminado, causa repulsa e só consegue incomodar.

Nos (escassos) casos contrários, uma marca consegue criar empatia até com aqueles que a podem dispensar, por fazer efectivamente parte dos seus dias. Recordo agora – e é recente -  a campanha que assinalou os 90 anos da cerveja Superbock. Os filmes históricos. Os vídeos virais. As edições com receitas antigas. As garrafas e os rótulos. Sem incomodar em demasia. Escolhendo os espaços e horários adequados.

É um excelente exemplo para responder a esta espécie de esquizofrenia que tomou conta dos bocadinhos em que ainda “nos apanham” a ver televisão. Ninguém quer pensar nisto? Ou preferem continuar a perder tempo a dizer que os media estão perdidos e, nestas circunstancias, o melhor é assobiar para o ar e subir o volume do som quando gritamos, como a Mafaldinha, “não me gritem!”.

Nota – Todas as referências a marcas, produtos, e a escolha final dos anúncios, é pessoal, sem qualquer interferência de empresas de qualquer espécie, e inteiramente assumida como integrante de uma filosofia de vida onde a publicidade faz parte da comunicação e da informação. Aliás, nenhuma destas marcas foi sequer por mim contactada (ou me contactou) no âmbito desta ou de outra matéria. Infelizmente, no hipermercado da blogoesfera é preciso fazer estes tipo de "disclaimer"...

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Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.

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