A treta do ciclo
Só para terminar esta conversa das eleições e de José Sócrates e assim:
Andam todos, do Bloco ao CDS, a falar no fim de um “ciclo politico” ou no começo de um “novo ciclo”, como se a vida politica e eleitoral fosse uma espécie de Cinemateca onde se programam ciclos de cinema que começam quando outros ciclos acabam.
Parece que andam a gozar o pagode.
Mas não há nada para gozar nem há ciclo para assinalar: houve um homem, chamado José Sócrates, que foi eleito para governar com uma maioria generosa. Criou expectativas, foi uma esperança e uma luz depois de Santana Lopes. Mas enganou meio-mundo, promoveu o clientelismo, colocou a sua sede de poder acima de qualquer sentido de estado ou sequer noção ética. Governou mal, enterrou financeiramente o país - mas dado que tinha um especial poder oratório e uma máquina de media e propaganda jamais vista em Portugal (um case study para quem quiser um dia perceber como se pode perpetuar o poder...), conseguiu ainda uma segunda maioria. Mais modesta, porém suficiente. Mas essa segunda maioria era já uma espécie de manifesto de um país desconfiado.
Se ele soubesse governar e se soubesse como se reagia a uma crise internacional, talvez a confiança voltasse. Não soube. Como lhe sobra em arrogância o que sempre lhe faltou em humildade, fingiu. Fez sapateado. Brincou com a verdade. Gozou com a cara de quem o elegeu. E foi atirado ao tapete pela oposição – que tinha tanta, tanta razão, que o povo, chamado a votar, mandou José Sócrates e o seu governo para casa. A este fenómeno chama-se democracia, caso Ana Gomes e pessoas do mesmo estilo não saibam.
E foi isto. Não há fim de ciclo nem começo de ciclo. Há apenas a história triste de um português comum – que, como o comum dos portugueses, tentou desenrascar o país e desenrascar-se a ele próprio. Não é assim que se faz, mas às vezes dá certo. Com ele já tinha dado, da licenciatura dominical aos projectos assinados lá na terra. Desta vez não deu. O país é um bocadinho maior, felizmente.