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Pedro Rolo Duarte

18
Nov12

Oh meu Deus…

(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman. A edição de Dezembro já está aí nas ruas...)

 

“Se Deus existisse, o meu pai não teria morrido e eu não seria o homem mais infeliz do mundo” – li esta frase aos 14 anos, talvez cedo demais, no livro “Um Homem Só”, de Roger Vailland, um escritor libertino excessivamente promovido lá pelo final da década de 70 do século passado. Nunca mais me esqueci dela. Arrasta-se atrás de mim como uma divida, e já me serviu para entrevistas com eméritos padres, debates sobre religião, e até discussões filosóficas sobre o sentido da vida. Tenho a certeza de já a ter usado numa crónica aqui, nestas páginas.

Uso a frase como se de uma bengala se tratasse e dela precisasse – da mesma forma que olho a fé como uma corrimão para a vida de quem a tem, e invejo não conseguir essa revelação. Os estudos dizem que quem tem fé vive mais anos – e eu, que a não tenho, acredito que sim, que prolonga a vida. Dá sentido ao que muitas vezes nos parece sem sentido, ajuda-nos nos momentos mais difíceis, é fonte de alegria e de comunhão. E mais, muito mais, tem em si beleza e estética, seja nos templos ou na arte, na escrita e até nas orações. Daria um bom católico, se conseguisse acreditar.

Não conseguindo, resta-me crer nos homens – o que a cada dia se torna mais penoso… -, e na capacidade de sermos todos os dias um pouco melhores. Nem por isso deixo de querer perceber em que acreditam os que têm fé, e nas últimas semanas dediquei-me a ler aquele que é considerado um dos melhores tratados, para pessoas comuns, sobre as mais relevantes religiões. São perto de 500 páginas que Huston Smith publicou originalmente em 1958, e cujas sucessivas reedições comprovam a validade. O titulo: “A Essência das Religiões”. Do budismo ao islamismo, do confucionismo ao catolicismo, o quadro histórico, filosófico, ideológico e religioso de cada credo é-nos mostrado sem dogmas, mas também sem piedade. Com História e fundamento, mas num quadro aberto que não dá espaço ao bocejo. Deus, se existir, sabe quanto eu bocejo com livros aborrecidos…

Bom, aqui chegado, e perante um quadro de religiões que, mesmo quando partem de um mesmo Deus, inevitavelmente divergem em questões fulcrais, é enorme a tentação de responder à pergunta: e qual destas formas de ver a vida, o Homem, me diz mais? Me toca mais perto e mais fundo? Como se de um jogo se tratasse, não resisto a alinhar. A resposta é fácil, porque demasiado óbvia: o hinduísmo. A religião do amor, a religião que respeita as nossas qualidades e defeitos, que respeita as diferenças e a individualidade, ainda que promova a humildade e a aceitação do outro. A religião que defende o prazer da vida e que nos diz algo como “se quiseres, podes ter”, apelando ao ser, ao saber, e à alegria da vida. Tudo no hinduísmo faz sentido, mesmo quando reconhecemos que o ser humano é mais imperfeito do que os pressupostos das ideias puras.

Na verdade, lendo “A Essência das Religiões”, encontramos em todas boas ideias e razões para acreditar, seguir ou confiar. Não há religiões más – mas há quem faça de boas religiões, más condutas. E é nessa separação primordial, entre pessoas e a fé que perfilham, entre o que juramos e o que fazemos – e lá vem a clássica “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”… -, que perco o corrimão e não me agarro a mais do que a minha pobre realidade diária.

Gostava de acreditar. Por mais voltas que dê, não vejo que os princípios, os ensinamentos, as premissas, correspondam à vida de quem se entrega à fé. E volto ao principio: “Se Deus existisse, o meu pai não teria morrido e eu não seria o homem mais infeliz do mundo”. É isso.

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