O Tribunal do Povo
Portugal está doente há muito tempo, todos o sabemos. Porém, quando um partido político decide confrontar e pôr em causa um órgão institucional independente, como o Tribunal Constitucional, a doença corre o risco de se tornar epidémica e crónica.
Parece que o porta-voz do PSD, Marco António Costa, terá acusado os juízes do Tribunal Constitucional de uma “interpretação conservadora” do texto fundamental. Cito, dos jornais: “A interpretação que é feita de alguns princípios constitucionais leva, na nossa óptica, a um imobilismo absoluto e a uma incapacidade reformista do Estado”. O dito tribunal chumbou esta semana o regime jurídico da “requalificação de trabalhadores em funções públicas”, cuja “fiscalização abstracta preventiva” fora pedida por Cavaco Silva, depois de aprovado na Assembleia da República. E terá feito bem, de acordo com a Constituição.
Na qualidade de cidadão independente, fico agradado pela circunstância de haver um conjunto de juízes que zela pelo cumprimento da Constituição de República, aprovada pela esmagadora maioria dos portugueses. E fico ligeiramente menos intranquilo por saber que, enquanto houver Tribunal Constitucional, não será possível que nós, comuns cidadãos, sejamos sacrificados e condenados pelas asneiras que sucessivos governos fizeram e nos conduziram à miséria em que estamos.
Assim, ainda que não veja saída para a doença nacional, baixa-me a tensão saber que ainda existe o Tribunal Constitucional. Mas, pela mesma razão e medida, estou inteiramente de acordo com Henrique Monteiro na sua coluna online do Expresso: “Veremos (…) como vai o Tribunal Constitucional decidir sobre as candidaturas dos chamados 'dinossáurios' autárquicos. Do meu ponto de vista a lei é clara e não permite candidaturas de quem esteve três ou mais mandatos à frente de uma Câmara. Citando o que está escrito no diploma "O presidente de Câmara Municipal e o presidente de Junta de Freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos". Como muito bem nota José Carlos Vasconcelos, cronista da revista "Visão", jornalista, jurista e um dos decanos do comentário político em Portugal, o diploma em análise não faz qualquer distinção entre função e território. Se quisesse fazer - adianta - era "imperioso - e simplicíssimo - acrescentar a "três mandatos consecutivos" a frase "na mesma autarquia".
Em resumo: tranquiliza-me saber que existe um tribunal que avalia leis e decretos em função do respeito que obedecem à Constituição da Republica, impedindo abusos e excessos sempre tentadores de quem governa – mas também espero que esse trabalho independente da politica rasteira do dia-a-dia se mantenha e eleve em temas que, por não mexerem directamente com a administração publica, poderiam ser alvo de um olhar mais negligente – como sucede com as eleições autárquicas.
Lá está: espero que o Tribunal Constitucional seja tão rigoroso com os autarcas eternos como foi agora com a eterna imobilidade do estado.