Que prazer, mais um livro do Miguel
Eu li estas crónicas quase todas. Mas é diferente lê-las com um sentido profissional, procurando uma imagem ou um destaque ou uma entrada, fechando um jornal, ou ter agora o prazer de as ler soltas. Sem compromisso. Sem qualquer outro objectivo que não seja o prazer de ler. E de aprender.
Agora é melhor. Agora é que eu as li mesmo.
Ele fala por escrito como eu o ouvi sempre falar, e fala daquilo que nos interessa: o que se come, o que se bebe, o prazer e a lógica, a explicação e a História. Ou sobre o amor, que é tudo isto e muito mais: “Ela ficou minha. Eu fiquei dela. É ou não é estranho e lindo e bem pensado por Deus Nosso Senhor que ambos pensemos que nos livrámos de boa e ficámos a ganhar? É.”
Não vejo nem falo com o Miguel há coisa de um ano, ou pouco menos. Falamos quando temos de falar – e não temos de falar, mesmo que queiramos falar, que é o que acontece sempre. Mas temos anos e anos em atraso e sempre que falamos combinamos que não há mais atrasos. Já sabemos que haverá.
E eu estou na Bertrand das Amoreiras à procura de um livro que tenha uma receita de Biryani (não sei como se escreve, mas quando é bem feito garanto-vos que é bom como nada – eu ía escrever tudo, mas não é verdade...). Não encontrei, mas fiquei de sobrolho arqueado quando vi, entre livros de receitas, este “Em Portugal Não se Come Mal”.
No meu entusiasmo imediato, peguei no livro e fui para a caixa mas, felizmente, a meio do percurso, caí em mim: pessoas que “escondem” um livro do Miguel, que não percebem que aquele livro não é para arrumar entre manuais de receitas de bife e tratados de cozinha chinesa, não merecem o meu dinheiro. Voltei atrás e deixei lá o livro escondido, como eles preferiram colocá-lo. E vim cá abaixo à Bulhosa, onde o livro estava razoavelmente colocado. Comprei.
Desde ontem que me acompanha pela casa. Porque, como bem diz o Miguel, “as alegrias, para serem grandes, não precisam de não ser pequeninas: basta-nos que sejam nossas”.
O livro. A capa. A couve nas mãos de quem sabe o que vale e merece.
E os textos, o que se aprende. Duas gorduras. Grelhada só a sardinha. Camarão e ovo estrelado. O que eu perdi por ler estas crónicas em trabalho...
“Em Portugal Não se Come Mal” é mais uma grande e bela colecção de textos grandes e belos do Miguel. Será uma pena se as estúpidas regras “moderninhas” dos livros e das editoras, nestes tempos foleiros, o colocarem longe dos olhos do público, ou seja: longe do sucesso.
Até por isto: “O maior segredo da felicidade é a evidência da vida – aquilo que é claro como água, que não precisa de ser medido. A felicidade está em dar o justo valor às coisas que o têm, desde o amor à amizade à água. O resto é sobresselente. O resto, como o álcool, é alegria”.
Há Miguel Esteves Cardoso melhor do que o Miguel? Não há.