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Pedro Rolo Duarte

02
Dez08

O congresso do sono

No seu excelente blog, o comunista Vítor Dias exibia, no domingo, as primeiras páginas do DN e do Público para demonstrar que ambos passavam ao lado desse “grande” acontecimento que era o XVIII Congresso do PCP, no que constituía obviamente um atentado às boas práticas do jornalismo. Pelo contrário, a SIC Noticias encheu-nos o fim-de-semana com o congresso e deu-nos a ideia de que aquele era um acontecimento relevante do fim-de-semana.

Lamento discordar da SIC Noticias e de Vítor Dias, e estar de acordo com o Diário de Notícias e o Público: o evento não merecia primeira página de jornal – nem aqui, nem no deserto da margem sul...

Sejamos objectivos e claros: o Congresso do PCP só é relevante para os militantes do Partido e para os seus eleitores. Nas últimas eleições, o PCP, coligado com os verdes, recebeu o voto de 432000 portugueses – um quarto do número médio de espectadores da novela “Feitiço de Amor” da TVI (1, 5 milhões)...

Parece-me óbvio, portanto, que um acontecimento que mobiliza alguns milhares de participantes e mexe praticamente nada com a vida política portuguesa – a não ser, claro, como “case study” que provará que Portugal é tão pobre, tão conservador, e tão analfabeto, que ainda tem 430 mil almas a teimar num partido comunista... -, só é notícia de relevo pelo lado politicamente correcto de um jornalismo de quotas, com medo da ERC, e sentado no sofá quentinho da mais banal agenda.

Um congresso do PCP – o partido onde o “centralismo democrático” impede qualquer espécie de polémica, debate ou confronto – é seguramente interessante para reportagens sobre coisas que nos escapam, programas sobre o além, ou para o “Caia quem caia”. Mas não é, como aliás se viu, um acontecimento jornalístico. Além do mais, dá sono.

 

 

Adenda...
Vítor Dias, sempre atento, decidiu responder-me. Não tenho por hábito alimentar polémica aqui no blog, mas abro excepção por ter também estima por Vítor Dias e porque a sua resposta diz muito sobre a forma como no Partido Comunista se convive com a opinião alheia. E convive mal:
1. Em parte alguma do meu post se diz que as 320 mil pessoas que deram o seu voto ao PCP “sejam igual a zero”. 320 mil eleitores do PCP valem o que valem – só não constituem, por si, matéria de primeira página. Caso fosse esse um critério noticioso, a China seria manchete diária de toda a imprensa – já viu o Vítor Dias quantos são eles?
2. O critério jornalístico que norteia o meu pensamento é a síntese de 25 anos de trabalho e experiência. A relevância de uma notícia, que a leva à primeira página do jornal, resulta de um ou mais itens (conjugados ou isolados, conforme os casos): novidade, surpresa, revelação, choque, inovação, descoberta, polémica, exclusividade, denuncia, etc... Ora, o congresso do PCP foi ordinário (isto é, não extraordinário), não trouxe uma única novidade relevante, não foi surpreendente, não teve polémica, não mostrou nada que se não soubesse já. Foi curricular, normal, meridiano. Jerónimo de Sousa disse o mesmo que diz sempre – e desta vez nem houve um momentozinho animado de divergência ou dissidência para inspirar os comentadores do costume. Nada. Por isso - e lamento ter de explicar de cátedra ao Vítor Dias...-, do ponto de vista técnico foi aquilo a que chamamos um “não-acontecimento” jornalístico. Foi isso que eu quis dizer - apimentadamente, como gosto de escrever...
3. Não é saudável confundir este facto - o não-acontecimento - com a circunstância do congresso do PCP ser ou não noticiável. O congresso merece ser noticia? Merece. Merece estar na primeira página? Não merece.
Caro Vítor: ver nisto, e no meu post, uma “tenebrosa e degradada concepção de jornalismo, de pluralismo e de vida democrática”, é como admitir que um dia o povo vai querer ver o PCP no poder - é apenas um sonho mau. Cá vai então a sugestão: basta acordar...

 

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