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Dez07
Sem culpa, sem desculpa
O que eu gostava era que existisse um sistema que permitisse apurar com rigor quem são os autarcas que, em consecutivos mandatos, contribuíram para que a autarquia lisboeta chegasse a este estado de falência absurdo e caótico.
O que eu gostava era que o nome deles – de todos eles – fosse público. Que se percebesse com clareza onde estão os buracos financeiros, quem os permitiu, quem “deixou arder” – onde houve negligência, incompetência, desleixo.
O que eu gostava era que houvesse uma lei que transformasse todos estes indivíduos em arguidos. E que fossem julgados e condenados. E que pagassem, em penas efectivas, multas ou penhoras generosas de bens certamente acumulados, o prejuízo que causaram à cidade e aos seus habitantes.
“Endividamento”, “falência”, “ruptura financeira” – tudo isto são palavras suaves para o crime de gestão danosa. No mundo da gestão privada, a condenação era evidente e chamava-se desemprego de longa duração. Na actividade pública, não passa nada. “Eles andem aí”, estou certo disso.
Com ou sem 500 milhões de empréstimo, já se viu para quem vai sobrar a conta no fim da crise. Para nós, lisboetas. Mais imposto aqui ou ali, mais taxa acolá.
Nós só vemos a banda passar. E pagamos.
(O diário espanhol El Mundo tem diariamente, acima do logótipo, um aforismo em geral interessante, e sempre diferente. No domingo, a frase do dia era de um tal Ambrose Bierce (presumivelmente, um jornalista e contista do século XIX) e rezava assim: “Paciência: forma menor de desespero disfarçada de virtude!”. Eis o que sinto mais vezes do que desejava na minha cidade: desespero travestido de virtude. Paciente, resisto.)