05
Dez07
O dia seguinte
Na verdade, receio que o efeito da dramatização do empréstimo à Câmara de Lisboa produza o mais perverso dos efeitos: a ilusão de que, por obra e graça de umas centenas de milhões de euros, Lisboa acorde hoje, ou amanhã, sã, salva e deslumbrante. Os milhões estão a chegar. Tudo pode recomeçar. Venham as noivas de Santo António já em Janeiro.
Não.
Lisboa acorda hoje, e acordará amanhã, igual a ontem. Com os mesmos problemas, a mesma escassa qualidade de vida, a mesma sujidade, a mesma pobreza, o mesmo laxismo, o mesmo trânsito, a mesmíssima caça à multa, a mesma negligência, o mesmo ambiente, a mesma falta de urbanismo, a mesma sensação de impotência face ao caos. Até o mesmo drama financeiro. Praticamente na mesma, portanto.
António Costa vai poder mexer-se ligeiramente. Respirar um bocadinho. Pouco mais. Como quem tomou o analgésico essencial – atenua a dor, não cura a doença.
Dramatizar a vida política tem esta dupla-face : por um lado, acorda a comunicação social, e por essa via os eleitores, para um momento em que os partidos são obrigados a mostrar de que matéria são feitos, e em que o flash tem tendência a escolher quem fica mal na fotografia; por outro, recentra o foco dos problemas apenas naquele episódio, como se não houvesse ontem nem amanhã nem mais nada.
Ora, Lisboa é como uma novela da TVI: pode nunca acabar e haverá sempre mais um mau e mais um bom para protagonizar o próximo capítulo. É verdade que as televisões não dominam tão bem quanto julgam as dramatizações da política – mas, em rigor, os políticos não dominam de todo o segredo das novelas.
Esse é o problema do dia seguinte.