Adeus, Polaroid
Fui um cliente tardio da Polaroid – a minha primeira máquina foi-me oferecida nos tempos da revista “K”. Havia muitas máquinas na redacção, e o Miguel era um militante e tirava milhares de fotografias. Eu tirava poucas, porque me intimidava aquele ruído definitivo da máquina quando vomitava o rectângulo de cartolina. Era uma espécie de arte final – sendo afinal um eterno rascunho. Esta dupla condição baralhava-me – mas ao mesmo tempo fascinava. Foi assim que me aproximei da Polaroid – e a ela me rendi aos poucos.
Mais tarde, no DNA, suplemento que dirigi no DN, criei uma secção que se chamava "Noticias do Meu Diário". Todas as semanas emprestávamos a uma figura pública uma máquina Polaroid e um filme e pedíamos um retrato da semana através de sete Polaroids, uma para cada dia, com as respectivas legendas.
O registo fazia sentido por ser imediato, sem intermediários nem cópias. Cada imagem era única, cada momento irrepetível, e de uma caixa com dez Polaroids não se podia fazer mais do que… dez Polaroids.
Era essa a magia e o encanto daquele aparelho. Aprendi a amá-lo e acima de tudo a respeitar-lhe a condição. A massificação da fotografia digital ditou-lhe o fim – ainda que, estranhamente, lhe tenha elevado o estatuto. Uma Polaroid é uma Polaroid – e ao lado dela, milhões de imagens digitais que tiramos sem dedicação nem alma, repetida e distraidamente, ao ritmo a que respiramos, sem qualquer respeito pelo instante (porque, no fundo, todos os instantes são fotografáveis...), enfim, dizia, ao lado de uma Polaroid, as nossas rascas fotografias digitais são menos que zero.
No entanto, a Polaroid vai embora. A máquina digital fica. É uma lição terrível sobre o ponto em que estamos nisto a que chamámos “desenvolvimento”.