No Coliseu com Mafalda Veiga
A imprensa “de referência” não lhe dá atenção porque é uma compositora mainstream e uma cantora verdadeiramente pop. A imprensa “popular” não lhe dá atenção porque sendo embora mainstream, não constitui o protótipo da artista popular. Entalada entre preconceitos e tabus idiotas, Mafalda Veiga tinha tudo para dar errado.
Mas deu certo. Construiu uma carreira sólida ao longo de 22 anos, tem um público fiel e dedicado, e sobreviveu à tentação de se deixar sufocar por esta atmosfera cheia de rótulos e capelinhas e grupetas. Os discos são bem pensados, melhor produzidos, e há uma coerência nas canções que faz dela uma autêntica songwriter. O seu elo mais fraco – as letras, por serem repetitivas e frequentemente agarradas às mesmas ideias, frases, conceitos – não interfere no conjunto, porque esse conjunto é consistente, rico e melodicamente equilibrado. Eu gosto muito da música da Mafalda Veiga e impressiona-me o ostracismo para o qual parece fadada.
Felizmente, a imprensa já teve os seus dias no que à influência diz respeito. Quem ontem tivesse ido ao Coliseu percebia isso mesmo: a sala estava cheia como um ovo, e Mafalda fez um brilhante espectáculo compacto de duas horas para um publico que progressivamente se entregou até à rendição. Certamente o mesmo que hoje volta a suceder em mais um Coliseu esgotado.
Eu estive lá. Vi uma construção cénica simples mas de uma eficácia brutal: vídeo, luz (simplesmente extraordinária!), cenografia e sequência musical combinadas na perfeição, criando momentos de energia seguidos de momentos de contenção e emoção, implacáveis no rigor e na capacidade de agarrar o público. Vi uma cantora perfeita, sem falhas mas também sem que lhe faltasse sentimento, entregue à sua paixão, acompanhada por um conjunto de músicos competentes, rigorosos, empenhados. Vi uma plateia rendida, cúmplice, que puxava pela cantora e por ela se deixava levar. Vi e vivi, em resumo, um momento único de boa música, uma noite que me encheu as medidas, que me comoveu, me animou, me motivou. Ao meu lado, o meu filho – que foi quem, realmente, me convidou... – estava igualmente impressionado e rendido: “ela canta mesmo bem”, disse ele.
Saí do Coliseu a pensar, uma vez mais, neste estranho desfasamento entre o que é público e o que é publicado. E sem resposta para tamanho equívoco, deixei-me ir a cantarolar baixinho: “abraça-me bem...”