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Pedro Rolo Duarte

06
Mar17

As mãos que ardem no fogo

(quinta-feira passada, na plataforma Sapo24)

 Há uma expressão popular, muito usada para demonstrar a nossa confiança nos outros, que receio possa entrar em desuso para todo o sempre, seja em relação àqueles em quem acreditamos - mesmo sem conhecer, apenas por intuição e currículo -, seja em relação aos nossos familiares e amigos. É a clássica “ponho as mãos no fogo por...”.

Todos nós já pusemos as mãos no fogo por alguém – e nem todos nos queimámos, acredito. Mas os últimos tempos têm demonstrado que é pouco seguro brincar com o fogo, porque quase todos os dias aparece alguém por quem poríamos a arder as mãos – e o problema é que, subitamente, se o fizéssemos, ardiam mesmo.

Não brinco. O assunto é sério. Estou a falar de quando a excepção ameaça tornar-se regra, e de quando o que parecia ser uma ovelha fora do rebanho é afinal parte integrante do rebanho.

Deliberadamente, não vou referir um único nome. Não quero manchar suspeições, nem alimentar suspeitas por provar nas instancias competentes. Quero apenas notar que não há praticamente dia em que não nasça um novo suspeito, um novo arguido, um novo condenado - que vem juntar-se a uma lista cada vez mais vasta de figuras de todas as áreas politicas e profissionais -, quase sempre envolvido em praticas ilícitas que invariavelmente desembocam em corrupção, fraude, e acima de tudo no aproveitamento de cargos de poder e influência em beneficio próprio, com ou sem conluio e cumplicidade.

Durante anos, habituámo-nos à ideia de uma classe de gestores, empresários, empreendedores, cuja ousadia, inovação, competência e conhecimento deram ao nosso tecido empresarial uma dinâmica e uma imagem que teriam de uma vez por todas enterrado o passado de pequenez e contas de mercearia que marcara a ditadura (e mesmo algum tempo pós 25 de Abril...). Não foi há muito tempo que assistimos à renovação da banca nacional, à criação de marcas inovadoras em todas as frentes (lembram-se da “Nova Rede”? Do “BCI”? Da “TMN”?), às iniciativas de empresários que queriam “aconselhar” os Governos sobre os desígnios de Portugal, e ao lançamento permanente de novos nomes que orgulhavam a gestão, faziam as capas das revistas, e davam as entrevistas de fundo dos jornais. Sobre todos eles recairia sempre a pequena inveja em relação aos fabulosos rendimentos – mas, ao mesmo tempo, reconhecia-se que a competência e os lucros gerados justificavam os ganhos e as mordomias e o que mais houvesse.

Pior: acreditámos que tanta competência e saber, tanta boca cheia de “responsabilidade social”, e obviamente tão extraordinários vencimentos, eram mais do que suficientes para podermos “por as mãos no fogo” por eles. Não precisavam de mais...

Os anos passaram. Como numa peça de teatro que chega ao fim, o palco esvazia-se e já só mostra o vazio. Os actores despem os seus fatos e mostram-se como são. Somos repentinamente surpreendidos com a mais crua verdade: afinal, nada do que os podia distinguir, os distingue. Nada do que aparentou a diferença foi diferente. E o fogo fátuo que exibiram, se não nos queimou, também nunca chegou a arder...

Aqui chegados, sobra em desilusão e desencanto o que faltou em tudo o resto. No crédito que lhes demos sem merecerem, no exemplo de seriedade que todos os dias se põem em causa, e acima de tudo numa ideia de Portugal que, uma vez mais, era uma ilusão. Parecida com aquela que enganou os nossos pais, os nossos avós. Numa sina a que não chamo fado por respeito à canção – mas chamo tragédia, porque não é mais do que teatro. De vão de escada.

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