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Pedro Rolo Duarte

18
Mar16

Nicolau, Cristas e Cruz: isto anda tudo ligado

(Crónica de ontem na plataforma Sapo24)

Sei que já se disse tudo sobre Nicolau Breyner. A sua morte, além de nos apanhar de surpresa, revelou o lado transversal da sua existência. Não foi apenas o grande actor que morreu. Nem o realizador, ou o criativo, ou o humorista. Ou até mesmo o ser humano generoso. Foi um pouco mais do que isso: foi o artista que tocou toda a gente, todas as gerações, na multiplicidade de Nicolaus que nos mostrou ao longo de décadas de vida pública, enquanto actor - mas numa única personalidade. A sua.
Um homem como nós. Artista, mas igual a nós. Com uma pontinha de génio, mas igual a nós. E em muitas frentes, capaz de ser melhor do que a maioria de nós. O seu exemplo é uma lição que serve artistas, políticos, agentes culturais: a autenticidade é a mais rica e sábia forma de viver a vida - e quando essa vida é publica, obter reconhecimento e sincera admiração. A transparência com que Nicolau Breyner viveu, da forma como encarava a profissão até ao apego genuíno às origens alentejanas, resultou nesta unanimidade.
Num mundo de actores e personagens, de figuras construídas em gabinetes, de sorrisos falsos e aparências, é sempre a autenticidade que acaba por ganhar a taça. Lembremos Raul Solnado, ou Eusébio. E vejamos agora Nicolau Breyner…
Pode parecer exótico, ou mesmo forçado, o que se segue, mas a verdade é que dias antes da morte de Nicolau, e de assistir a esta comoção nacional, tinha estado a conversar com um amigo sobre esta ideia da autenticidade, da verdade interior tornada exterior, a propósito de outra figura, e num contexto radicalmente diferente. Debatíamos a chegada à liderança do CDS de Assunção Cristas e a entrevista que deu, na semana passada, ao Victor Gonçalves, na RTP. E eu, que estou longe de ser um apoiante daquele partido e das suas ideias, senti nas palavras de Cristas coerência, sinceridade, e acima de tudo essa mesmíssima característica: autenticidade. Pensei: esta mulher pode, por esta via, conquistar votos para o seu partido. Contrariar o folclore da política do costume com uma atitude sincera, despida de floreados e chavões, com menos preconceitos e maior pragmatismo. Dizendo o que pensa sem previamente pensar naqueles que quer conquistar.
Mais do que fartos da política em si, os portugueses parecem estar fartos da conversa oca, dos lugares-comuns, do mais do mesmo - e talvez desejem, de uma vez por todas, clareza, verdade e transparência. Neste quadro, a atitude de Assunção Cristas, desde que tomou conta do CDS, pode ganhar uma expressão inesperada em eleições futuras. Não necessita de ser populista para ser popular - se for autêntica e não enrolar o discurso no vazio habitual.
E é por entre estes pensamentos que sou surpreendido com a entrevista (uma vez mais, de Victor Gonçalves) a Carlos Cruz, na prisão da Carregueira. Carlos, cuja afirmação de inocência prolonga a sua prisão, que já demonstrou em livro os erros crassos do seu julgamento, e a certeza de que devia estar livre e absolvido, sublinha o poder da autenticidade. Sem ressabiamentos nem desejos de vingança, sem agressividade ou sequer acusações gratuitas, afirma a sua liberdade da forma mais consistente que é possível: uma vez que é inocente, sente-se livre dentro de uma prisão - enquanto aqueles que o julgaram podem porventura sentir a prisão da injustiça. As palavras de Carlos Cruz tocam-me por terem o poder do desprendimento que só os homens autênticos conseguem atingir.
Numa entrevista que deu à minha amiga Anabela Mota Ribeiro, e que se pode ler na íntegra aqui, Nicolau Breyner afirmou: “Tenho vergonha enquanto ser humano, enquanto cidadão, de coisas que vejo. O meu desacreditar é tão grande que já não estou a falar só de Portugal. Isto passa-se em todo o mundo, de outras maneiras. É promíscuo, é porco. Somos cada vez mais números e cada vez menos seres humanos”. Esta desabrida sinceridade, em que tantos se revêm, é um começo de mudança, e tem eco um pouco por todo o lado.
E é nesse medida que, ouvindo Assunção Cristas, percebi que talvez o CDS tenha ganho a liderança certa no tempo certo. Como pude manter a certeza que alimento desde o primeiro dia: Carlos Cruz é um homem inocente. Tudo uma questão de autenticidade. Quer estejamos ou não de acordo.
Envolver estas três figuras, estes três protagonistas, numa única crónica, debaixo de um chapéu comum, pode parecer bizarro. Mas eu sempre achei que Sérgio Godinho tinha razão: isto anda tudo ligado.

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