Números & pessoas
A propósito da uniformização que o mundo global sofreu nas últimas décadas, e da explosão das marcas (e dos franchisings) espalhadas por todo o lado, com os mesmos artigos, ou os mesmos pratos, ou os mesmos sapatos, o meu amigo Miguel costumava contar a história hilariante de um outro amigo nosso que certo dia entrara num McDonald’s e, quando a empregada se aproximou dele, pediu:
- Oiça, quero um Big Mac, mas quero isso bem caprichadinho!
Toda a gente se riu com a ideia de haver um Big Mac personalizado para o nosso amigo, mais bem grelhado, com um tomate maior, sei lá...
Na verdade, esse amigo estava, sem querer, a antecipar o que se seguiu: face ao reconhecimento de que, mesmo dentro de uma presumível uniformidade de gostos, cada mercado tinha as suas características, e quem não as tivesse em conta corria riscos de perder negócio, começaram a surgir as especificidades das marcas para cada região. Assim nasceram, justamente na McDonalds, por exemplo, em Portugal, as sopas e o cantinho do café expresso...
Dessa ideia de desumanização absoluta, em que todos os clientes são iguais e não têm identidade, “crescemos” para um mundo onde repentinamente nos tratam pelo nome, sabem o que queremos, e a globalização aproxima-se da personalização. Assim estamos nos dias que correm.
Achava eu, claro.
Há dias entrei num Mcdonald’s, coisa que não fazia há muitos meses, talvez mais de um ano. Fui surpreendido por um balcão onde não havia empregados nas caixas, mas havia gente afadigada a correr entre a cozinha e a frente de sala. Em vários cantos, ecrãs gigantes “chamavam-nos” para fazer o pedido. Ouvi um homem gritar números diversos, e por cima dele uma espécie de televisor onde se exibiam encomendas “em preparação” e “prontas”.
Fiz a minha encomenda, recebi um papel com um numero, e às tantas ouvi o tal homem chamar pelo “21”. Era eu. Era o meu pedido.
Demorou mais tempo do que no processo clássico anterior. Desumanizou ainda mais uma cadeia de junk food já popular pela sua linha de montagem de hambúrgueres. E retrocedeu décadas face ao que os estudos têm demonstrado. Hoje, deixei de ser um cliente McDonald's para passar a ser um número. Ao lado, no "Starbucks", chamam pelo “Pedro” quando o café está pronto. E mais à frente, no “H3”, perguntam se quero mais arroz ou a carne bem passada.
(Não adianta virem falar-me na redução do número de trabalhadores ou na economia de escala – estou a falar de saber fazer negócios e vender...)
É verdade que já ía raramente às lojas da McDonald’s. Mas nunca deixei de as elogiar pela inovação, cuidado, higiene, segurança. Agora, espalharam-se ao comprido: no tempo em que estamos a recuperar o tratamento personalizado, optam por tornar os clientes em meros números sem contacto humano. Ou sequer nos “premiarem” com rapidez ou eficácia.
Estão ainda mais à frente do que imagino, ou já foram. Eu já fui.