O problema do exemplo
(Crónica desta quinta, no Sapo24)
Tenho lido e ouvido o depoimento de muitos profissionais da hotelaria que declaram, sem qualquer espécie de vergonha na cara, que os preços não vão baixar na restauração mesmo que o IVA volte aos 13% de há uns anos. Ou seja: os mesmos que, quando o IVA subiu para os actuais 23%, fizeram recair sobre o consumidor esse aumento, desculpando-se com a medida governamental, refugiam-se agora nas mais esfarrapadas argumentações para não repor o que lhes teria sido subtraído. Mantem-se actual o clássico “quem se lixa é o mexilhão”, que somos todos nós, consumidores - e lembro-me imediatamente de quando o escudo deu lugar ao euro e, do café à sanduíche, o que antes custava 100 escudos foi facilmente “arredondado” para 1 euro… Ou seja, o dobro. Parece que há sempre alguém mais esperto do que nós.
Na verdade, oiço estas pessoas usarem argumentos estapafúrdios para manter os preços 10% mais altos e, por um lado, pasmo: é preciso lata. Mas, por outro, respeito e compreendo: não estão a fazer mais nem menos do que sucessivos governos - que, em teoria, também prometeram o que jamais cumpriram, tornaram definitivas as medidas provisórias, e arranjaram sempre boas desculpas para, “afinal”, não ser possível o que antes era óbvio. Se é verdade que o exemplo vem de cima, os profissionais da restauração estão a seguir o exemplo dos reembolsos que não se podem reembolsar, das taxas extraordinárias que o tempo tornou ordinárias, e dos abatimentos fiscais que anualmente minguam como gelo a derreter ao sol.
Se quisermos ser rigorosos, mesmo no “dossier” IVA já há ditos por não dito: o que era uma promessa eleitoral de baixar o imposto na restauração, sem especificações de maior, foi limitado a parte dos produtos que a hotelaria comercializa - e não é já, é lá mais para a frente. Foi o Governo o primeiro a mudar de ideias. Mas os profissionais do sector, que também são profissionais do queixume permanente - “isto está cada vez pior” é o chavão de todos os dias… -, parecem excelentes alunos.
O problema maior vem depois e está estudado pelos especialistas: quanto mais se lhe aperta a garganta, mais rapidamente se empurra o contribuinte para a economia paralela, para a compra e venda sem papeis e sem registos, para o negócio quase comunitário da troca de bens e serviços. Há uma limite acima do qual o “cobrador”, seja o Estado ou um restaurante, começa a asfixiar a galinha dos ovos de ouro. E ela morre. Ou deixa de pôr ovos. Na pior das hipóteses, reclama um subsidio ou pede um resgate financeiro. Para o que estamos guardados…