O que começa mal e depois se endireita
A minha relação com a escritora Rita Ferro começou da pior forma, com uma negligência profissional minha, para mais imperdoável. Numa capa do DNA apelidei-a de escritora “cor-de-rosa”, incluindo-a no lote daquelas autoras a quem esse “apelido” foi posto, algures lá pelos anos 90 do século passado.
A Rita reagiu de forma admirável: mandou-me todos os seus livros acompanhados de um cartão onde sugeria que lesse um, dois, ou todos. E depois rectificasse a adjectivação. Para melhor ou para pior. Tudo sem azedume nem agressividade - só ironia, sarcasmo, e todo o humor do mundo. Rendi-me, claro.
Não apenas me tornei admirador da Rita no mesmo minuto, como uma semana depois pedia desculpa aos leitores do DNA pela minha escorregadela. Quem as não dá? Rita Ferro tinha toda a razão.
Uns anos mais tarde entrevistei-a na SIC-Mulher e percebi o fundo fantástico da mulher que, por complexo ou pura parvoíce, embrulhei num daqueles estereótipos que nós, jornalistas (e digo-o sem qualquer orgulho), muitas vezes criamos para nos facilitar a vida.
Adiante. Daí para a frente, a Rita Ferro é pessoa que estimo, admiro, e leio. Recebi agora o primeiro volume do seu diário, “Veneza Pode Esperar”, e em poucos dias estava lido. Entre muitas passagens que podia assinar por baixo, deixo esta:
“Esta mente insidiosa lá arranjou um estratagema para me cegar momentaneamente na hora de prevaricar: entre o desejo e a satisfação, dá-se no meu cérebro uma disrupção de consciência que me permite gozar o momento e arrepender-me só depois”.
Não é que sofro do mesmo mal? Ainda ontem, com os croquetes da Versailles. Ou de certeza amanhã.