Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Pedro Rolo Duarte

03
Jun16

Uns para os outros

(Crónica de ontem na plataforma/newsletter Sapo24)

Desde que José Cid, num programa de radio onde o entrevistei, em conjunto com o João Gobern, disse (e não estava a brincar…) que, se tivesse nascido em Inglaterra, era mais popular e amado que Elton John, porque acha que o inglês, ao pé dele, é artista de segunda, percebi todo o universo de Cid. As letras das favas e do chouriço e das bananas, a pose, a atitude em palco, e acima de tudo uma serie de parafusos a menos.
Entrou na prateleira dos inimputáveis - dizem o que lhes passa pela cabeça, em geral ninguém presta grande atenção. Faz companhia a figuras como Alberto João Jardim, para citar apenas o mais óbvio.
Não me surpreendeu, por isso, a polémica instalada esta semana - mas pelos vistos em cima de uma entrevista que deu há alguns anos… - entre ele e os transmontanos. Como não me surpreendeu a resposta trauliteira nas redes sociais (a ele e ao desgraçado do Nuno Markl, apanhado de lado sem culpa alguma…), que pelos vistos estão cheias de pequenos José Cid’s. Pessoas que usam a impunidade do anonimato para destilarem a bílis e fazerem das caixas de comentários, como alguém disse, o esgoto da internet. Ou seja, pessoas que estão bem para o José Cid, e vice-versa.
Porém, convém não confundir a mensagem com o meio. Não acho que as caixas de comentários sejam, em si, canos de esgoto. São o reflexo das tensões, dos ódios, das frustrações, que todos temos - e tanto servem para intoxicar a rede como para a limpar, nos momentos mais doces (basta Portugal marcar um golo no europeu…). Cada um de nós usa-as de acordo com a sua formação, os medicamentos que toma, ou apenas o bom senso, ou falta dele, que possa ter. São uma praça publica sem filtro, sem regra, sem controlo. Não consigo criticar aquilo que constituiu, no começo, a mais-valia da internet: o caos que resulta da liberdade total. Claro que tudo tem um preço, e quando o caos se transforma em difamação, mentira, plágio, ameaça, já há leis gerais que se aplicam - mas a tentação de regular mais e apertar a malha é grande. Sinceramente: isto é o que me preocupa mesmo quando sucedem casos como o de José Cid. É que estes casos são pontas de cigarro acesas na floresta dos que querem controlar, regular, legislar, e no fim de tudo censurar, o que é publicado na rede.
A tentação é grande e todos já a sentimos na pele. Um exemplo pessoal: sou admirador confesso do humor do João Quadros e do Bruno Nogueira - mas quando ouvi na rádio as crónicas que assinaram, há uns anos, na sequência da morte e da cremação do jornalista Carlos Castro, fiquei chocado. Mexeu comigo. Foram longe demais em relação à minha sensibilidade. A reacção imediata foi clara: “isto não devia ter ido para o ar”. Mas passados uns minutos, caí em mim e perguntei-me: quem sou eu para dizer que não devia ir para o ar, se sou o mesmo que defendo que o humor não tem limites?
Vejo agora Bruno Nogueira defender Nuno Markl e gosto do que vejo. Mas na verdade não andamos muito longe uns dos outros. Seja o Cid, o Bruno, ou o anónimo trauliteiro. A lógica é a mesma e tem uma frase popular que a define: “quem vai à guerra, dá e leva”. O Cid insultou os transmontanos, levou que contar. À medida e da mesma forma rasca e ordinária que usou para os gozar. Como se costuma dizer nos pátios das escolas: estão pagos. Uns com os outros. O único risco é que parvoíces desta natureza possam servir para limitar a liberdade de todos e de cada um. E isso já não tem graça alguma.

2 comentários

Comentar post

Blog da semana

Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.

Uma boa frase

Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Mais comentários e ideias

pedro.roloduarte@sapo.pt

Seguir

Arquivo

  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2016
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2015
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2014
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2013
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2012
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2011
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2010
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2009
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2008
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2007
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D