A critica que irritica *
Tenho idade que chegue para saber.
Mas há momentos mais dispersos, difíceis, trabalhosos, em que não tenho mesmo tempo para ser livre. Acabo navegando à bolina. Caindo aqui e ali na armadilha de confiar.
E foi assim que ganhei ontem uma carga extra de irritação. Passei na FNAC à tarde e andei pelos discos a ver o que havia de novo. Por duas vezes passei ao lado de “Zii e zie”, o novo de Caetano Veloso, porque pairava sobre ele “má imprensa”. Li critica negativa no “Público”, mais uns gozos nos blogues por causa do tema “Menina da Ria” (que se inspirou na Ria de Aveiro), e tenho ideia de ter lido também notas menos simpáticas na imprensa brasileira online, nomeadamente no Estadão.
Eu, que nasci fã de Caetano e vivi a minha primeira noite de ao som de “Bicho”. Eu que ouvi fado ao vivo no Sr. Vinho sentado na mesa de Caetano. Eu, que promovi espectáculos de Caetano...
Fizeram-me a cabeça e por pouco ía saindo da FNAC sem o disco.
Mas a FNAC não irrita como a critica, e é o serviço público democrático que se sabe, com todos os defeitos que também sabemos. Bom, pelo menos na FNAC posso ouvir por mim sem depender das estrelas do “Público”.
E à terceira passagem parei para ouvir “Zii e zie”.
Assim, sem rodeios: o disco novo de Caetano Veloso é genial, ou pelo menos muito mais genial que os últimos quatro ou cinco, que foram muito bons mas não mais do que isso. Caetano Veloso regressa às canções, aos manifestos e ao amor. Regressa à melodia. Regressa às frases notáveis: “de onde vem o parar o mar?”. Volta a brincar com as palavras – “Lobão tem razão” – mesmo quando recupera a politica pura e dura em “A Base de Guantânamo”: “O facto de os americanos/ desrespeitarem os direitos humanos/ em solo cubano é por demais forte/ simbolicamente para eu não me/ abalar”.
Caetano recupera a guitarra – o tema “Perdeu” é um monumento... - e o ritmo da bossa nova, na versão por ele mesmo recriada nos anos 70 e 80. Agarra as pontas da sua criatividade passada e volta a cozinhá-las num prato novo. O resultado é um disco outra vez de Caetano Veloso - o Caetano dos seus ouvintes, e não, como vinha sendo hábito, um disco de Caetano a procurar alimentar a expectativa de uma modernidade forçada.
Tornando curta a longa história: ía caindo na esparrela da critica e deixando de fora da minha discografia seleccionada um disco notável de Caetano Veloso. Fui salvo pelo serviço publico da FNAC.
Felizmente, tenho um blog e posso dizer: bardamerda à crítica impressa, o disco novo do Caetano é bom todos os dias do ano. E agora vou dar uma volta a cantar “Eu nunca imaginei que nesse mundo / Alguma vez alguém soubesse quem é”...
* O erro é de propósito para a rima...