Uma pequena história com Carlos Paredes
“As pessoas gostam de me ouvir tocar guitarra, a coisa agrada-lhes e e eles aderem. Não há mais nada” – foi assim, realmente, a vida de Carlos Paredes, o compositor e músico de alucinada humildade, que viveu sempre num plano diferente dos demais, como se estivesse um pouco acima do plano terreno.
No começo dos anos 80 do século passado, saía das aulas para o momento de convívio na pastelaria Vita, a clássica paragem dos estudantes do Liceu de Camões. Do outro lado da Avenida Duque de Loulé ficam as instalações da Sociedade Portuguesa de Autores. Naquela tarde, pelas 18:30, Carlos Paredes é esperado no auditório da SPA para um recital – e eu sei disso porque os meus pais me disseram que iam vê-lo.
Chego à Vita, são talvez 18:45, e vejo Carlos Paredes sentado na esplanada, acompanhado pela sua guitarra, dentro da caixa, na cadeira em frente. Tranquilo, bebe qualquer coisa – um galão, estará a minha memória firme?
Ao vê-lo, lembrei-me do recital e percebi que estava obviamente atrasado. Na ingenuidade da adolescência, achei que devia fazer qualquer coisa. Dirigi-me a Carlos Paredes:
- Desculpe, o senhor não tem um concerto aqui na SPA às seis e meias?
- Oh meu amigo, tenho sim senhor – respondeu-me, bem-disposto...
E continuou sentado, ligeiramente menos tranquilo do que antes, mas pausado, com tempo, sem pressas.
... Foi desse momento que me lembrei quando, anos mais tarde, em 1988, entrevistei Carlos Paredes para um programa da RTP. E esperei, numa sala fria da então editora Polygram, durante hora e meia. Por fim chegou. E foi nas palavras o mesmo génio cuja guitarra nos chega ainda hoje, sem qualquer atraso, com todo o tempo do mundo, até junto do coração.