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Pedro Rolo Duarte

11
Jul09

Uma pequena história com Carlos Paredes

(A edição de hoje da revista do i foi dedicada ao atraso nacional. “Nós, Atrasados” tem, digo eu, que sou suspeito, um conjunto de boas histórias e matérias. Às tantas, lembrei-me de fechar a revista com esta “pequena história sem consequências”...)
 

“As pessoas gostam de me ouvir tocar guitarra, a coisa agrada-lhes e e eles aderem. Não há mais nada” – foi assim, realmente, a vida de Carlos Paredes, o compositor e músico de alucinada humildade, que viveu sempre num plano diferente dos demais, como se estivesse um pouco acima do plano terreno.

Um génio da guitarra.
Mas também um incurável e incorrigível atrasado.

No começo dos anos 80 do século passado, saía das aulas para o momento de convívio na pastelaria Vita, a clássica paragem dos estudantes do Liceu de Camões. Do outro lado da Avenida Duque de Loulé ficam as instalações da Sociedade Portuguesa de Autores. Naquela tarde, pelas 18:30, Carlos Paredes é esperado no auditório da SPA para um recital – e eu sei disso porque os meus pais me disseram que iam vê-lo.

Chego à Vita, são talvez 18:45, e vejo Carlos Paredes sentado na esplanada, acompanhado pela sua guitarra, dentro da caixa, na cadeira em frente. Tranquilo, bebe qualquer coisa – um galão, estará a minha memória firme?

Ao vê-lo, lembrei-me do recital e percebi que estava obviamente atrasado. Na ingenuidade da adolescência, achei que devia fazer qualquer coisa. Dirigi-me a Carlos Paredes:

- Desculpe, o senhor não tem um concerto aqui na SPA às seis e meias?

- Oh meu amigo, tenho sim senhor – respondeu-me, bem-disposto...

- Pois, disse eu, é que já são quase sete horas...
- Ai sim? Não me diga...
- É verdade, são dez para as sete...
- Tenho que começar a pensar em ir andando...

E continuou sentado, ligeiramente menos tranquilo do que antes, mas pausado, com tempo, sem pressas.

O recital terá começado com 50 minutos de atraso.

... Foi desse momento que me lembrei quando, anos mais tarde, em 1988, entrevistei Carlos Paredes para um programa da RTP. E esperei, numa sala fria da então editora Polygram, durante hora e meia. Por fim chegou. E foi nas palavras o mesmo génio cuja guitarra nos chega ainda hoje, sem qualquer atraso, com todo o tempo do mundo, até junto do coração.

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