O VPV dos pequeninos
Aqui há uns tempos, o Ferreira Fernandes disse-me algo que ficou a pairar sobre a minha existência. Foi taxativo: para ele, o Maradona era o único autor de língua portuguesa realmente inovador desde Miguel Esteves Cardoso.
Quem conhece o Ferreira Fernandes sabe que ele é atento e emotivo – duas condições essenciais para se poder exagerar um pouco. Agora, que ando mais atento ao que se escreve e a quem escreve, estou tentado a dar-lhe razão.
Maradona, que tem escrito de vez em quando na revista de sábado do “i”, tem realmente esse golpe de asa (estilo, substancia, forma, jeito, tudo junto e mais umas botas...) que distingue alguns – e em geral os separa daqueles que já existem.
Era nisso que estava a pensar há bocado quando li, na Sábado, a crónica de Alberto Gonçalves “A Tremura dos Quarenta”, modestamente dedicada à idade a que está a chegar. O sociólogo escreve bem e chega a ter graça – mas quem lê há 30 anos Vasco Pulido Valente só pode esboçar um sorriso: Alberto Gonçalves é o VPV dos pequeninos. E nem sequer evita que se note a colagem: escreve aos 40 anos, pobremente, a crónica sobre si próprio que o Vasco escreveu magistralmente aos 50 (“Eu sempre fui assim”, na revista “K”). Impressiona este encosto ao estilo do Vasco, à sua ironia ácida, e até a alguns tiques e manias que Alberto Gonçalves exibe como sinal exterior de uma idade que não tem.
Mas isto não tem mal nenhum – mais vale ter um estilo, neste caso um estilo VPV dos pobrezinhos, do que não ter estilo algum, que é mais o que sinto quando, por saber fazer revistas e jornais, me dão a oportunidade de também publicar umas crónicas.
O que é triste verificar é que há estilos que se copiam, repetem, aperfeiçoam, desenvolvem – tudo bem... -, mas continuamos a sentir falta de novos estilos, novas maneiras, novas formas de construir ideias e as transformar em prosa.
Tinhas razão, Ferreira Fernandes: temos o Maradona. Mas precisamos de descobrir mais um ou dois para a próxima década...