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Pedro Rolo Duarte

21
Nov09

Conservador, eu?

(Crónica de revista do "i" deste sábado, "Nós, Conservadores")
 
Há dois tipos de conservadores no mundo: os que sempre foram, e vivem felizes na sua condição, tranquilos nos blazers espinhados, nos padrões Burberry e nas camisas de xadrez; e os que demoram anos a reconhecer o seu próprio conservadorismo e fazem-no sempre a contragosto, resistindo às evidências.

Pertenço, evidentemente, a estes últimos – razão pela qual persisto na ideia de conviver harmoniosamente com a modernidade, embora só me sinta feliz nos lugares e cenários que já conheço. Uma agenda Filofax. Um disco que já ouvi. Um autor que não me surpreende. Uma bebida que conheço há anos. O eterno Cozido à Portuguesa do Painel de Alcântara. O croquete do Gambrinus. Vergílio Ferreira. Sting. João Gilberto. O pastel de massa tenra do Frutalmeidas.

Gosto do que é novo – mas o confronto cansa-me Gosto de conhecer novas cidades – mas logo que posso volto a Londres e a Barcelona. Defendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo – mas se me falam em adopção, vacilo.

Propositadamente misturo o que não se mistura – para que se perceba que há, no conservador não assumido, algo que está aquém e além da ideologia ou sequer da cultura familiar. Como se tivesse uma marca genética que não se consegue vencer por decreto.

Um exemplo: nasci numa família que se assumia como sendo de esquerda, e que saudou o 25 de Abril de 1974 como o verdadeiro dia de Natal por fundar. No entanto, eu e os meus irmãos tratávamos o meu pai por “você” e a minha mãe por “tu”... Nenhum deles nos impôs a diferença e ambos defenderiam, em teoria, a igualdade no tratamento, até porque dentro de casa eram iguais em direitos e deveres, e ver o meu pai lavar loiça foi o mínimo a que me habituei ao longo do tempo. Mas a marca estava lá – havia qualquer coisa conservadora que me levou a seguir os meus irmãos, e que conduzia a esta diferença num tratamento que nem por isso era menos afectuoso ou respeitoso para qualquer dos dois.

Nos dias que correm, quando alguém olha para o passado e vê os lugares por onde passei – nomeadamente “O Independente”, a “Kapa”, o DNA -, é corrente falar da modernidade associada a estes títulos, da ideia de vanguarda ou inovação. Normalmente, não me excedo no contraditório – mas a verdade é só uma: o que une todos estes títulos de jornais e revista é uma ideia conservadora. A ideia de que os jornais e as revistas se fazem com pessoas que escrevem, fotografam, investigam, imaginam – e cuja força maior é serem elas próprias. Nenhum destes títulos inventou a roda – todos recuperaram rodas já muito rodadas: a entrevista, a reportagem, a fotoreportagem, a crónica, o humor, a notícia, a investigação, a causa, a critica. O grafismo de todos eles foi inspirado no melhor que já se tinha feito. A estrutura foi sempre uma síntese do que de bom víamos fazer noutros lugares. E até o sucesso que estes títulos tiveram resultou da fórmula mais conservadora de comercializar produtos: se dermos ao consumidor o que ele não tem – e, chave do cofre, se tivermos a oportunidade de lhe provar que lhe faz falta o que nem sempre ele tinha consciência da falta que lhe fazia -, é muito provável que ele nos compre regularmente.

Tenho dificuldade em dar o braço a torcer. Mas ele já foi tão torcido e retorcido ao longo da vida que já nem sente a dor quando eu digo, baixinho, timidamente, “sim, conservador, talvez seja...”

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