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Pedro Rolo Duarte

13
Fev10

A máscara e o problema

É certo que Portugal vive em clima de Carnaval há tempo demais. Trata-se, porém, de um Carnaval bem diferente daquela quadra que anima as ruas das cidades de Portugal: felicidade e alegria, desfile e dança, são coisas que não vemos neste tempo que corre o país de norte a sul, e a ideia do corso está mais ligada à falta de vergonha do que à suprema ironia do melhor humor. O que vemos então? Tempos sombrios, depressão sem cura à vista, e uma acidez no discurso na atitude que não convoca oportunidade nem saída. Parece que nos mexemos sem sairmos do mesmo lugar. O desfile que tenta caminhar pelo piso escorregadio da nação não é valente nem imortal – é pequeno e triste, desistente. Ou farto? Lembro-me sempre de Vergílio Ferreira: “O que mais custa a suportar não é a derrota ou o triunfo, mas o tédio, o fastio, o cansaço, o desencorajamento. Vencer ou ser vencido não é um limite. O limite é estar farto”.

Talvez por isso nos possamos agarrar à máscara – para fingirmos o que não somos, para nos disfarçarmos sem culpa, para nos escondermos dos outros. Será Portugal um país de máscaras? Um país mascarado? Ou chegámos ao ponto em que já nem de máscaras disfarçamos a magreza, a ideia de “país de tanga”, ou a mais básica e vulgar imagem “da tanga”?

O país é um bom exemplo desse supremo jogo de sombras traduzido numa máscara. Sem dinheiro, sem rumo á vista, em crise, com uma taxa de desemprego a chegar aos dois dígitos, nem por isso deixa de parecer um país rico e desenvolvido. No parque automóvel ou na frequência dos centros comerciais, na taxa de ocupação dos hotéis em tempo de férias ou nas partidas e chegadas dos aeroportos, o Portugal que se vê de fora não vive a tragédia grega da falência – pelo contrário, parece um exemplar bem alimentado da Europa nórdica.

Nessa máscara sem folia, o Portugal dos brandos costumes vai deixando correr o fio da pequena corrupção, do jeito, do favor – e por essa via vai vivendo no (e do) expediente, escondendo aqui e ali o olhar, para não se denunciar, travestindo a seriedade de brincadeira infantil (como se só os outros, os grandes, fossem malandros e pouco sérios...), e cedendo à pressão da crise com permanentes fugas para a frente. Se o país é barrigudo, pois seja: é com a barriga que empurra os problemas, e as soluções, para a frente, “sem sombra de pecado”, isto é, à sombra desse jogo cheio de máscaras infelizes.

No meio do pântano há sempre quem denuncie o trágico Carnaval que se vive todo o ano – mas também nessas denúncias intelectuais, cheias de palavras cansadas e parágrafos deprimidos, se encontra outra condição onde somos bons na arte de fingir: é que sabemos diagnosticar, denunciar, dizer o que está mal. Mas não sabemos cumprir o resto do plano.

Diz o professor ao aluno inconformado:

- Diagnóstico correcto, temos aqui um problema. O senhor tem solução para o problema?

- Não tenho, Professor.

- Pois bem, diz o Professor, nesse caso Você faz parte do problema.

E é nesse momento de denúncia, em que acabamos parte do problema que somos, que nos cai a máscara e nos denunciamos. De sorriso amarelo nos lábios, dizemos: “É Carnaval, ninguém leva a mal”.

 

Crónica publicada hoje, na revista do i, "Nós, Mascarados".

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