Infiel ponto com
(Crónica publicada na edição de hoje da revista do i, Nós, Infiéis)
Em Novembro passado, o i publicava a noticia: “O site gleeden.com apresenta-se como um “jardim de felicidade” e já são 1500 os portugueses inscritos neste portal dedicado às pessoas casadas que querem ser infiéis, mas de uma forma discreta”. Prometia-se então que, depois de passar a versão beta, “os interessados poderão encontrar parceiros disponíveis para uma aventura extraconjugal. Dos 1500 portugueses já inscritos, 65% são homens e 35% são mulheres. O facto de o site não ser gratuito não parece ser impeditivo para os interessados numa relação fora do casamento”.
A última barreira abateu-se: até para a infidelidade a Internet encontrou facilidade de acesso, rapidez de execução, eficácia na concretização. Podem os conservadores vir falar dos tempos modernos e do fim da ética e da moral, podem as igrejas continuar a pregar no deserto, podem os teóricos construir teses sofisticadas sobre o mundo moderno. Nada ultrapassa a simplicidade dos factos: há um problema? Há uma fronteira para ultrapassar? Há uma dificuldade para vencer? Falta-lhe qualquer coisinha? Alguém, a esta hora, num qualquer canto do globo, está a tratar do assunto. Não tarda e aí estará o site que vai tornar banal o que antes era incomum.
A Internet é o maior facilitador da vida – no que isso tem de deslumbrante e útil, mas também de perigoso e falso. É um pouco como crescer a comer hambúrgueres – não há duvida de que é prático, mas no dia em que um bife nos aparece à frente, não sabemos o que fazer com aquele bocado de carne e é muito provável que tenhamos problemas de resistência nos dentes. Para tudo, na vida, tem havido equilíbrio – excepto para a Internet, avassaladora na sua criatividade, imaginação, no seu caos e felicidade, na sua reinvenção diária.
Foi nisso que pensei quando li aquela notícia – bolas, já nem para ser infiel é preciso trabalho, estratagema, um guião bem afinado, um novelo bem enrolado. Nada disso. Um click, uma password, e navegamos na infidelidade controlada. Por pouco, combinada com o cônjuge, já agora podem enganar-se em dias certos, sempre se poupa qualquer coisa...
Não consigo conceber facilmente a ideia de infidelidade – e nisso parece que sou antigo. Mas consigo menos ainda conceber a traição com “profile” incluído e cartão visa em site devidamente protegido. No meio de tanta felicidade ao alcance de um click e de uma password, onde fica o velho e bom lugar do talento, do saber, da aprendizagem?
Ser infiel dá tanto trabalho como ser fiel - porque ambas as condições exigem dedicação, vontade e às vezes algum esforço. Pedem sabedoria, na verdade e na mentira, na escolha daquilo que queremos para a nossa vida, e na metódica dedicação à causa. Há anos que alimento a ideia simples de que a infidelidade não compensa – bom é estar com quem se gosta enquanto se gosta, e não ter medo de mudar de vida quando se deixa de gostar. É mais fácil de dizer do que de fazer – mas quando se faz e se persiste, tem compensações evidentes. Dorme-se mais tranquilamente. É-se mais feliz. E mesmo na infelicidade consegue-se paz, que é um dos bens mais preciosos da vida. Não me tenho dado mal com o princípio.
Talvez por isso me tenha chamado a atenção a notícia do site que promove a infidelidade de forma prática, discreta e eficaz. Tenho vontade de me inscrever e passar a mensagem aos sócios: em vez de trair a sua mulher (ou o seu marido), já pensou em tentar ser feliz? Sabe que pode divorciar-se e ter o mundo todo pela frente? Não é tão fácil, talvez, mas é muito melhor. E nem precisa de password.