Passar de moda
(Crónica originalmente publicada na edição do mês passado da Lux Woman)
Quinze anos é muito tempo? Quanto tempo passa quando passam 15 anos? Esta pergunta, numa revista onde a moda é tema dominante, faz o mesmo sentido que faria levar areia para o deserto.
Não faz sentido. O tempo da moda é diferente daquele que comanda os nossos dias – e ainda que, de certa fora, a moda mande em nós, nunca ultrapassa o limite razoável da democracia: a moda manda, enquanto nós deixarmos que mande. Mas há sempre qualquer coisa de cruel na ideia de moda. Porque despreza e deixa na margem o que está fora dela, e porque mata sem dó nem piedade quem “lhe passa” – e aqui a língua portuguesa não é traiçoeira: passar de moda usa o mesmo verbo do que morre.
Foi nisto que fiquei a pensar depois de um confronto duro com o fim da moda. Ou com o peso da moda que passa. Recuemos no tempo. Lá está: quinze anos, mais coisa menos coisa.
Estávamos em 1995 e Paris tentava ressurgir e reagir como capital da moda. Londres e Nova York dominavam o espectro “do que está a dar”, e Paris atrasava-se na recuperação da sua condição. As cidades são sempre o reflexo da sua cultura, e seria na condição urbana que a capital francesa teria de dar passos de gigante. É neste ambiente que nasce o Buddha Bar – o primeiro tijolo de um império de restauração e entretenimento que marcaria uma nova moda, sinalizada pela lounge music, e que ganharia dimensão na década seguinte. Claude Challe, o “homem do leme”, já tinha sido o herói de Les Bains Douche, e estava nas suas sete quintas ao misturar a música pop com os sons indianos, latinos, africanos.
Tive a sorte de ir a Paris nesses anos, e de assistir ao boom do Buddha Bar, seguido pela expansão do conceito de restaurante/bar/discoteca um pouco por todo o mundo, e pela popularização dos discos com o ambiente do espaço original. A moda galgou os seus criadores e replicou-se na roupa, na cultura da filosofia indiana, na música.
Em 1996, ir ao Buddah Bar de Paris exigia marcação com muitos dias de antecedência e algum tempo de espera na porta, uma atenção desmedida ao aspecto do cliente e pressão sobre as horas de jantar ou sobre os copos a beber. Os três andares do edifício transbordavam de gente e quando ali entrávamos sentíamos que estávamos no centro da galáctica ardente. Foi nesses anos que conheci o Buddah Bar.
Quis o destino, no entanto, que há poucas semanas, passeando por Paris à noite, desse comigo na rua do Buddah Bar. Era uma noite de sexta-feira em plena semana da moda. Quando me apercebi que estava na rua do bar, tive a tentação de o revisitar, ressalvando com quem estava o facto de, numa noite de fim-de-semana a probabilidade de chegar perto da porta ser remota...
... A realidade demonstrou ser bem menos criativa: não havia qualquer aglomeração à porta e os porteiros escondiam-se do frio atrás das grandes portas de ferro e vidro. Entrámos sem qualquer resistência, pergunta ou olhar inquisitivo. O restaurante estava vazio, o bar tinha talvez 30 pessoas nos seus dois pisos. A música ecoava sozinha e os empregados, displicentes, nem se davam ao trabalho de ir às mesas. O ambiente era desolador. O Buddha Bar morreu e ainda não tomou conhecimento.
Dez minutos depois, desolado pelo reencontro sem chama, abandonámos a casa. Os porteiros abriram-nos a porta sem estranheza, como se fosse óbvio não ficar ali.
E eu fiquei a pensar na crueldade da moda. Ou melhor: na profundíssima crueldade que constitui ser moda em algum momento da vida. Porque isso significa que um dia a moda vai passar. E tudo morre no mesmo momento, como se nunca tivesse existido.