Talvez pensando na visita do Papa
Percebi que dificilmente seria crente quando li, aos 14 anos, “Um Homem Só”, de Roger Vailland, e tropecei nesta frase: “Se Deus existisse, o meu pai não teria morrido e eu não seria o homem mais infeliz do Mundo”. Uns anos mais tarde, esta mesma frase foi-me devolvida, pela facciosa memória, numa tarde muito triste de Fevereiro, quando o meu pai partiu. Tinha passado um bom bcoado a rezar a algo ou alguém que não sabia onde estava nem se existia. No desespero do momento, achava que as coisas não podiam ser assim - a não ser que Deus existisse e não fosse o que se dizia que era.
Nos últimos anos, muitas vezes me deu jeito ter fé. Nunca consegui.
Não é vã a estatística que atribui aos crentes uma vida mais longa: quem acredita tem sempre um corrimão a que se agarrar. Pessoas como eu, pobres de espírito sem capacidade para sentir o intangível, escorregam nos degraus dos dias, e sentem-se muitas vezes perdidas num mundo cheio de fenómenos por explicar, injustiças por perceber, e verdades por encontrar. As escadas nunca têm fim e são sempre abismos faseados.
É a ignorância que me move neste caminho – e nessa ignorância só encontro conforto na contradição e no paradoxo. Todos os dias tenho mais uma pergunta sem resposta. Todos os dias tenho mais uma resposta para uma pergunta que não fiz. Em nenhum dos dias que vivi me encontrei com Deus.
Que posso eu fazer, a não ser continuar na escadaria, sem corrimão, aprendendo a andar, como se não houvesse amanhã?