Ainda há bocado era domingo
De vez em quando venho aqui, como vou a outros lugares, descansar das minhas palavras. Canso-me de me ler como se me ouvisse. Às vezes quero meter férias de mim e partir para outro que não eu. Nada de grave: apenas 46 anos de convívio intenso com a mesmíssima figura e as “suas coisinhas”, como dizia um amigo dos meus pais.
Bom, este domingo, enquanto descansava das minhas palavras, passei pelo Nuno Júdice e gostei deste domingo dele (lá está: devolveu-me domingos que me fazem falta. Com sinos):
Aos domingos, quando os sinos tocam
de manhã, o que neles se toca é a manhã,
e todas as manhãs que nessa manhã
se juntam, com os dias da infância que
nunca mais acabavam, as casas da aldeia
de portas abertas para quem passava,
as ruas de terra batida onde as carroças
traziam as coisas do campo, os cães que
corriam atrás delas, uma crença no sol
que parecia ter expulso todas as nuvens
do céu, e a eternidade desses domingos
que ficaram na memória, com o ressoar
dos sinos pelos campos para que todos
soubessem que era domingo, e não havia
domingo sem os sinos tocarem a lembrar,
a cada badalada, que os domingos não
são eternos, e que é preciso viver cada
domingo como se fosse o primeiro, para
que o toque dos sinos não dobre por
quem não sabe que é domingo.