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Dez07
O ano
Aos 7 anos, quando me ofereceram a primeira máquina de escrever, em plástico, de marca Petit, fui apanhado pelos meus pais no quarto a brincar aos jornalistas e parece que dizia, enquanto teclava na máquina, “Ouve lá, óh Granja, tu achas que esta noticia tem cabimento no jornal?”. Repetia as conversas que ouvia dos meus pais, e neste caso o Granja era uma referência ao bom velho jornalista Ângelo Granja.
Isto já dá uma ideia vaga sobre a eventual pergunta: mas há quanto tempo é que o gajo acha piada a jornais e revistas?
Há muito tempo.
De todo o modo, não era isso que queria escrever hoje. Queria era pensar nesses tempos recuados da pré-história da ligação ao jornalismo, quando tinha 12, 14, 16 anos. Coleccionava as edições de fim-de-ano das revistas e dos jornais, que traziam balanços e escolhas, figuras do ano e os melhores e piores. Eram “edições para coleccionar”. Eu coleccionava. Ficava impressionado com aquela ideia “A Time escolheu o Gorbachov figura do ano!” – e sentia cada distinção como um Óscar, um prémio, algo reservado apenas a determinadas figuras. Era novo. Tão novo que à escala, e à distância, ficava igualmente impressionado com as escolhas que faziam também, entre nós, os jornais Tempo, O Jornal, Expresso.
Até que.
Até que me tornei jornalista. E vi-me confrontado, eu próprio, com a escolha do músico do ano, ou do político, ou da figura, no meio de uma redacção onde todos davam palpites. Confrontado também com quem escolhe. E como se escolhe. Cai na realidade e magoei-me à séria. Percebi que, com maior ou menor rigor, com maior ou menor sabedoria, as escolhas do ano de um jornal, de uma revista, seja a Time ou a Visão, o Público ou o Estado de São Paulo, são escolhas… de pessoas. Como eu. Como o leitor. Como o blogger. Como o professor. Ou o cientista. Ou a actriz.
Perdi o fascínio pelas edições de fim de ano e deixei de coleccionar os “Balanços” e as edições especiais dedicadas aos momentos e pessoas que “eles” dizem que marcam o tempo.
“Eles”, somos todos nós. Qualquer um de nós. Depende do momento.
Quando se entra dentro da máquina e se percebe o seu mecanismo, o seu modo de funcionar, perde-se o fascínio inocente, perde-se o inesperado embrulho. Fica tudo claro, extraordinariamente claro: somos pessoas a escolher pessoas, pessoas a opinar sobre pessoas, pessoas com defeitos a pensar em defeitos de pessoas, qualidades pessoais na mesa de pessoas com qualidades pessoais.
Uns e os outros. Uns sobre os outros. Eu mais do que tu, porque momentaneamente aparento esse poder. Amanhã, o inverso.
É também por isso que levo a sério o que faço – mas não me levo muito a sério. Isso não.