Palavras
Não sendo embora um admirador da obra de José Saramago (tocou-me um livro, "O Ano da Morte de Ricardo Reis", e os outros fui tentando ler, sem sucesso, que só leio mesmo aquilo de que gosto à primeira, e sem esforço...), admirei sempre nele o desassombro com que enfrentava os outros. Os que gostavam dele e os que não gostavam. Os que o amavam e os que o odiavam. Gostei da impaciência com que viveu estes últimos anos de glória.E gosto de alguma da prosa mais curta e enxuta, como este post dos seus Cadernos:
"Felizmente há palavras para tudo. Felizmente que existem algumas que não se esquecerão de recomendar que quem dá deve dar com as duas mãos para que em nenhuma delas fique o que a outras deveria pertencer. Assim como a bondade não tem por que se envergonhar de ser bondade, também a justiça não deverá esquecer-se de que é, acima de tudo, restituição, restituição de direitos. Todos eles, começando pelo direito elementar de viver dignamente. Se a mim me mandassem dispor por ordem de precedência a caridade, a justiça e a bondade, daria o primeiro lugar à bondade, o segundo à justiça e o terceiro à caridade. Porque a bondade, por si só, já dispensa a justiça e a caridade, porque a justiça justa já contém em si caridade suficiente. A caridade é o que resta quando não há bondade nem justiça"
Para mim, o melhor de Saramago são achados como este.
(A fotografia é de Marcelo Buainain e foi tirada para a capa de uma edição do DNA, suplemento do DN que criei e dirigi entre 1996 e 2006).