Nós somos sempre a terceira pessoa
Os portugueses falam de si na terceira pessoa do plural. Os portugueses, quando falam deles próprios, dizem “os portugueses” ou “eles” – na betaria dizem “as pessoas” -, sem esquecer quando se referem aos políticos-malandros-todos-iguais-“eles”.
Eu digo “os portugueses” como se não fosse um deles. Carlos Queiroz diz “nós” quando se refere a ele mesmo. Os jogadores da selecção falam do “grupo de trabalho”, terceira pessoa do singular, ele, o grupo.
José Sócrates fala no infinito “querer ganhar... ganhar”.
Um comentador que não percebeu pevas do que escrevi neste outro post fala mesmo do “portuguesinho”, subentendendo-se que ele se considera um “portuguesão” (“do portuguesinho não se espera grande coisa, pois não?”, pergunta ele, o português...).
Noto nos blogues que acompanho diariamente uma atitude que não distingue quem vive aqui de quem vive fora daqui – parece que todos vivemos “no estrangeiro” e olhamos cá para dentro como se isto fosse um aquário cheio de peixe selvagem.
Já estive em almoços que reúnem famílias onde se consegue estar duas horas a dizer mal dos outros, que são afinal eles próprios, que somos afinal todos. Uma coisa tipo “eles se puderem fazem todas as pontes” – e isto era dito por quem planifica pontes logo em Janeiro de cada ano. Se me faço entender.
Hoje dei comigo a fazer bracinhos e ri-me de mim próprio. Gozo os bracinhos, faço bracinhos.
Talvez o nosso problema seja esse: não sabemos conjugar o verbo da pessoa que somos. Quem não sabe falar é como se fosse cego: pode até saber para onde quer ir, mas não sabe como ir.
Como se não bastasse, nem sequer perguntamos o caminho. Porque no fundo, no fundo, nós sabemos. “Eles” é que não sabem.