Um caminho
Não damos valor aos privilégios que, por boas ou más razões, nos caem no colo. Sou um bom exemplo disso: queixo-me eternamente da falta de tempo – mas depois, se calha haver menos trabalho e mais tempo livre, queixo-me do excesso de tempo livre.
Este Verão tenho tido mais tempo livre do que é costume. Mais tempo comigo. Mais tempo. Desta vez decidi não me queixar – e aproveitar.
Mais praia. Mais sono. Mais sonho. Mais água.
Leio mais livros, escrevo projectos, penso em ideias, repenso o que vivi, sigo a aritmética pessoal para perceber onde afinal perdi tempo, onde ganhei, onde parou o tempo e o que é feito do que sobra dele.
Leio até ao fim uma notícia sobre a doença que mata os morcegos nos Estados Unidos. E outra sobre crocodilos anões. Fiquei com vontade de conhecer os Lagos Lazio, perto de Roma.
Tenho tempo para recombinar encontros adiados. Não tenho a certeza de querer.
Tenho tempo para acertar. Tenho tempo.
Na verdade, sei que o tempo voa e isso irrita-me. Mas, lá está, Nick Hornby dá uma ajuda: “a mentira começava a parecer verdadeira através da persistência e da repetição, da mesma forma que um caminho se torna um caminho se suficientes pessoas caminharem sobre ele”.
Caminho sobre o tempo para que ele se torne o meu caminho e não me incomode demais. Por excesso ou por defeito.