Resto zero
Nunca escondi que contribui, com o meu voto, para a primeira maioria de José Sócrates. Disse-o publicamente, como disse que tinha acreditado na renovação do PS que ele protagonizou. Mas depois foi o que se sabe que foi – e já não consegui voltar a votar no PS nas últimas eleições. Nem no PSD. Os ditos por não ditos dos últimos anos – últimos? De tantos anos passados... -, as negligências e incompetências, as mentiras e as patranhas, os tachos de toda a espécie criados e usados à fartazana, e o evidente interesse individual e partidário sempre espezinhando o interesse público, deixaram-me estranhamente perto da frase que sempre odiei: “eles são todos iguais”.
Passei anos a contestar o lugar-comum em que, subitamente, caio sem remédio nem alternativa: “eles são todos iguais”. Oiço Pedro Passos Coelho no “confronto” com o Governo e pergunto-me: por que raio vou confiar que este tipo será diferente do que lá está? Quem me diz que ele não é exactamente como foi José Sócrates: prometendo uma coisa e fazendo outra, escudando-se na “crise internacional” para alimentar demagogias e depois dar o dito por não dito, salvando a pele em eleitoralismos fáceis pagos mais tarde em “tsunamis fiscais”?
Durante muitos anos, acreditei em políticos, em alternativas. Não votei sempre nos mesmos partidos, porque entendi que a alternância era uma forma saudável de alimentar a democracia, mas votei sempre em políticos (e politicas) em quem depositei um módico de confiança. Infelizmente, o tempo demonstrou que a alternância não existe – é entre o nada e coisa nenhuma – e confiar é mais ou menos como acreditar no Pai Natal: um dia acordamos e nunca existiu.
No momento final da crise, que é este que vivemos, à beira do abismo, quando o argumento principal para o que tem de ser é “não há mais nada a fazer”, volto a fazer contas a estas dezenas de anos.
Faço colunas de prós e contras, tento aritméticas esquisitas de reformas e retrocessos, procuro “progressos” que contrariem recessões. Estranhamente, chego sempre ao mesmo número. E regresso à escola primária, quando a chave de uma conta bem feita dava isto: resto zero.
Resto zero é o que resta de tudo aquilo em que acreditei, de todos aqueles em quem confiei.