No novo tempo
(Crónica originalmente publicada na última edição da revista Lux Woman)
Não adianta fugir ao óbvio: em qualquer roda de conversa, em qualquer diálogo com mais de 3 frases, aparece a palavra “facebook” ou a expressão “redes sociais”. Está a mudar o paradigma da forma como nos comunicamos, envolvemos, desenvolvemos. E isso não é bom, nem é mau – é um facto. Incontornável como a invenção da roda.
Lembro-me do tempo imediatamente anterior ao telemóvel, quando andávamos todos de “bip” na mão. Não foi assim há tanto tempo. O “bip”, ou “pager”, era um aparelho do tamanho de um maço de cigarros que recebia mensagens escritas. O processo era simples: quem quisesse comunicar comigo, tinha o meu número de bip, ao ligar o número a partir de um telefone fixo aparecia-lhe uma operadora a quem ditava a mensagem. Segundos depois, eu recebia no meu aparelho. Não podia responder directamente, mas podia ir ao telefone mais próximo enviar um bip à pessoas que me contactava.
Hoje parece ridículo – na altura discutíamos entre amigos se “aquilo” não estava a acabar com a comunicação entre as pessoas (havia quem terminasse namoros enviando um bip...), e víamos o ridículo aparelho como uma revolução. E agora a conversa volta ao mesmo. Estamos a acabar com quê?
Com nada. Estamos a recomeçar tudo. A forma de comunicar, a hierarquia da comunicação, a rapidez da comunicação. Há pessoas com quem só falo ao telefone, como há pessoas com quem só comunico por sms. Há relações limitadas ao facebook e há relações que nunca irão passar por uma rede social. Vivemos o mais fascinante tempo de sempre: toda a gente pode comunicar, toda a gente pode ter acesso a informação. Melhor: toda a gente escolhe a sua forma de estar neste novo mundo. E em teoria toda a gente pode estar com toda a gente
Em teoria. Na prática – e esse é o deslumbre do tempo actual -, nada mudou. Um amigo de infância é sempre um amigo de infância, e não há facebook que o perca de vista. Da mesma maneira, um amigo perdido que se recupera numa rede social pode vir a ser o top one dos amigos, mas nunca deixará de ser o amigo que se recuperou numa rede social. Na nova lógica das relações e da comunicação, prevalece a antiga lógica, a eterna lógica: a dos sentimentos. Havia quem amasse por correspondência no tempo dos nossos avós? Agora pode amar-se por Messenger. Havia quem fosse “oferecido” ou “oferecida” no baile da aldeia ou na discoteca da moda? Agora há quem se “ofereça” pela net. Havia a tímida que baixava os olhos quando algum “gandulo” a mirava? Agora há quem esteja numa rede social sem fotografia nem nome próprio.
Nós somos na rede o que somos na vida real, mesmo que nos assustem com os malandros que aí andam. Claro que andam – são os mesmos que enchem as notícias de jornal de crimes de violação, exibicionismo, pedofilia. São os mesmos no mesmo pasto. Mas nós também somos os mesmos a proteger os nossos e a protegermo-nos a nós próprios.
Não deixou de haver solidão por haver milhares de pessoas ligadas numa rede. Não deixou de haver gargalhadas nem lágrimas, gritos e desesperos, não deixou de haver sonho e desilusão. Há novas maneiras de veicular emoções, de desabafar ou gritar – mas acima de tudo há democracia. Somos todos iguais na rede, e a cadeia de comando somos nós quem a escolhe.
Resta-me, no meio desta (ainda) confusa forma de olharmos o novo mundo, uma dúvida: se é verdade que o tempo faz parte da equação dos sentimentos, que papel tem ele numa existência em que tudo parece ser imediato? Até que ponto a rapidez altera a profundidade, impede que o tempo de reacção seja diferente do tempo real, como sempre foi?
Aqui, bom, o mais sábio conselho é clássico: deixemos que o tempo passe e nos ensine o que sobre ele terá a ensinar. Porque isto é apenas o começo...