Brincar à demagogia
“Alguma coisa está mal quando o presidente da TAP ganha tanto ou mais do que o Presidente dos Estados Unidos, quando o governador do Banco de Portugal ganha tanto ou mais do que o presidente da Reserva Federal”, diz o líder do CDS Paulo Portas, em mais um momento “Vamos brincar à demagogia”.
Já sabemos o que, nesta matéria, a casa gasta: quando dá jeito falar de competência e eficácia, vem o exemplo de Paulo Macedo nos Impostos (e não é demais lembrar que o próprio abandonou o cargo logo que foi alterado o estatuto de remuneração dos cargos dirigentes da função pública). Quando, pelo contrário, o momento é de aperto, lá vêem os salários “milionários” encher a boca de quem não pretende mais do que ganhar votos na maré alta da insatisfação.
Se a proposta do CDS – legislar um tecto para os vencimentos das empresas onde o Estado tem participação - for avante, preparemo-nos para o pior: os bons gestores vão fugir das empresas e instituições ligadas ao Estado, e daqui a uns anos o mesmo Paulo Portas, agora na versão conservadora, estará a reclamar a liberalização dos vencimentos, sempre “em nome do mercado”, ou “em nome da Nação”. Que, de vez em quando, vem lamentavelmente dar no mesmo.
Ora, o que eu gostaria, antes de debater os valores em causa, era de ver traduzido nos vencimentos dos gestores o seu desempenho, a sua eficácia, o seu cumprimento, para o melhor e para o pior. Não me incomoda nada que Fernando Pinto ganhe mais do que o Presidente americano, se ele conseguir fazer da TAP uma companhia (pelo menos) equilibrada e sólida (o que, até prova em contrário, não sucedeu, tendo embora o álibi verdadeiro de dez anos de “turbulência” no negócio da aviação civil). Mas é óbvio que também gostaria de o ver penalizado caso demonstrasse incompetência ou incumprimento – e aqui penalizar não é retirar bónus a um ordenado milionário, é responsabilizá-lo pelo mau uso de dinheiros públicos, pelo mau desempenho de um lugar no aparelho de Estado. É impedi-lo de gerir outras empresas no futuro, é criar mecanismos que garantam as boas práticas.
Se a incompetência e a negligência na gestão dos dinheiros de todos nós desse pena, nem que fosse de suspensão – havia, aí sim, muita gente incompetente a fugir daqui para fora. E bons gestores, muito bem pagos, a dar o seu melhor.
A razão pela qual a demagogia tem pasto onde arder é justamente por ser fácil apontar o dedo aos milhões quando quem nos ouve só tem dividas. Mas a demagogia tem sempre a perna curta – porque anda de mão dada com a mentira e nunca tem solução para o problema que grita.