Democracia, dizem eles
Se tivesse de escolher a imagem certa e certeira para a cimeira da Nato, seria esta, que encontrei na primeira página de sábado do Financial Times.
Obama foi a super-estrela do encontro, uma espécie de artista pop em versão política - e na imagem (além de me lembrar de Michael Jackson sempre protegido por um guarda-chuva...), estabelece-se bem a hierarquia do evento: o presidente americano num plano superior, os outros presidentes mais abaixo (aqui, representados por Cavaco), e os cidadãos, rasteiros ao chão, servindo sua excelência e protegendo-o da intempérie. A distância entre o homem do guarda-chuva e o objecto da sua atenção revela esta cidade sitiada em que vivemos – num histerismo de medo que, curiosamente, ignorou o resto de Lisboa. Para registo de memória, lembro que o 11 de Setembro, em Nova Iorque, e o 11 de Março, em Madrid, não tiveram como alvos os lideres políticos, mas sim os cidadãos comuns, em espaços públicos como as Torres Gémeas ou uma estação de comboios.
Um taxista dizia-me, na sexta-feira à noite, que as medidas de segurança em Lisboa revelavam que “isto da democracia era um falhanço completo, porque nós, humanos, não sabemos viver em liberdade”. Não cheguei a responder-lhe, por manifesta falta de paciência, mas na verdade ele tem um bocado de razão. Tem o bocado que diz respeito aos que vivem em liberdade condicionando a liberdade dos outros, atropelando leis e Constituições, definindo excepções como se fossem efectivamente ditadores. Jurando que não são.
Este fim-de-semana, os lisboetas souberam o que era viver no mesmo espaço dos homens que andam debaixo de um qualquer guarda-chuva alheio, mas sempre acima e à frente. E lá está o drama da democracia: não votámos neles. Nem nos que se lhe opunham. A imagem não podia ser mais evidente. E a pergunta também: democracia, dizem eles?
O povo tinha razão quando inventou que quem se lixa é sempre o mexilhão.