O país através da televisão (III)
Portugal está chocado com a morte macabra de Carlos Castro. E logo uma multidão de bem pensantes vem reclamar que as televisões exploram excessivamente o tema, que não há limites para o decoro, que vale tudo nos tempos que correm.
Confesso que me impressiona o desfasamento entre quem “pensa o país” e quem nele efectivamente vive. Dez minutos num computador a navegar pelas redes sociais, ou cinco minutos no café da esquina, dão para perceber que a morte do cronista social mexe com o país, mexe com as pessoas, é tema e é notícia.
Brando é o país que, apesar das circunstancias, decide não explorar o lado efectivamente subterrâneo e negro deste mundo social onde Carlos Castro se movia – e onde a troca de favores de toda a espécie é corriqueira, e a ideia de “cronista polémico” não passa de uma ameaça vaga, “ai, ai, se eu abro a boca”...
Conheci bem o Carlos Castro, de quem gostei e que respeitei pelo seu lado de lutador incansável por um lugar ao sol, e de trabalhador dedicado. A sua morte impressiona e comove. Mas sei que o meio onde o Carlos se movia vive desta rede escorregadia de promessas de sucesso, de contactos, de croquetes, de ofertas, de borlas, de “eu sei a pessoa certa para...”
... E também sei que ele nunca se libertou dessa teia - razão pela qual, na verdade, nunca afrontou quem quer que fosse e calou-se sempre mais do que falou. Morre com a glória de uma coroa que lhe estão agora a criar. E isso é triste, talvez até injusto. Mas seria ainda mais triste se os media não explorassem a sua morte. Porque, quer seja politicamente correcto dize-lo ou não, foi também disso que fez a sua vida.