iPad, mas não lhe dão (trocadilho rasteiro...)
Por vicio pessoal e “defeito profissional”, tenho pensado sobre a mudança de paradigma que se abate sobre o jornalismo, os jornais e as revistas, com a banalização das mais recentes inovações tecnológicas associadas à Internet, especialmente o iPhone e o iPad.
Tal como os jornais tiveram que criar um conceito visual e editorial próprio para as suas edições na Internet - e na verdade, até hoje, ainda não há um modelo implacavelmente perfeito de jornal na rede, apesar dos anos passados -, também as novas máquinas carecem de conceitos que se enquadrem na plataforma e a enriqueçam, garantindo experiencias novas aos consumidores e um verdadeiro upgrade face ao “hardware” já existente, isto é, o velho e bom papel impresso.
No outro dia, em conversa com um amigo sobre revistas que se podem ler na Internet, chegámos a este momento absurdo e paradoxal: falávamos de páginas pares, impares e duplas-paginas, que víamos em revistas no computador. Às tantas, um de nós perguntou ao outro: mas faz sentido dividir páginas no ecrã de um computador? Não faz. Um anúncio da Dior de dupla página é apenas um rectângulo ao baixo num ecrã. Não tem uma divisão a meio. O formato clássico de uma página impressa é espúrio num computador. Porém, se o novo The Daily já percebeu esse facto simples – nasceu só no iPad, o que faz toda a diferença -, os jornais e revistas que estão a migrar para o iPad ou a partilhar a vida entre o papel e o online vivem na rede como se o ecrã fosse uma folha de papel, e até dão ao consumidor a ilusão do virar de página, como se efectivamente houvesse páginas para virar no iPad ou no portátil...
Ora, o que está ainda em ebulição neste novo universo comunicativo é justamente o modelo, a estrutura, a adaptação do que temos para comunicar com a plataforma através da qual comunicamos. Exactamente como a rádio “pediu” som e voz, tal como a televisão pediu imagem e som. A rede pede interacção e que mais? Pede como e o quê? Estas são as perguntas do milhão de dólares, a que os produtores de informação não parecem querer responder, entretidos que estão a criar modelos informáticos para “adaptar” jornais aos tablets.
A hora não é de adaptar – é de criar. Vencerá a batalha da informação na rede quem conseguir criar o modelo gráfico e visual, de edição e de periodicidade, que se adapte à plataforma, ao aparelho, e especialmente ao consumidor. Ou seja, que reinvente o produto e no limite volte a descobrir a roda...
O consumidor do futuro – e convém notar aqui que o futuro, neste caso, é hoje mesmo – não quer ver num ecrã plano uns pdf’s animados da sua revista habitual. Na verdade, a experiência sensorial e física de uma revista, do papel que se dobra, se sente, leve como ar e com cheiro próprio, é algo que faz inveja a qualquer construtor de hardware. Nesse sentido, “imitar” o papel num ecrã de tablet é mais ou menos como criar para a Playstations jogos “excitantes” como a sueca e o burro em pé. São jogos na mesma – mas não são jogos para um potencial tecnológico como a PS.
Tal como um projector de vídeo é prático e dá jeito, mas não leva o cinema a casa – leva apenas o filme -, também o iPad não servirá para “levar o jornal” a nossa casa, mas apenas a informação. É pobre para tanta riqueza...
É funcional consumir informação e ler num aparelho electrónico cheio de memória e ligado à rede – mas esse é apenas o ponto de partida. O consumidor não quer apenas saber as noticias – para isso compra o Kindle e assina a Reuters por meia dúzia de euros por mês, ou vê televisão no ecrã do seu tablet. O consumidor quer ter uma experiência no iPad comparável à que tem quando compra uma revista - mas agora num ambiente novo, com um potencial diferente. O consumidor quer um novo conceito de publicação – que potencia o meio, que se plasma nele, que se funde na tecnologia. Talvez queira revistas e jornais “em directo”, talvez queira novos conceito de design tridimensional, talvez queira o fim da ditadura das colunas de jornal e das fotografias rectangulares. Talvez nem saiba o que quer – mas não há duvida que, a breve trecho, não lhe chegará um jornal a cinco colunas ao alto e ao baixo no iPad, com umas fotos animadas e umas infografias que mudam de cor em 3-D. Isso era o mínimo – e já não chega.
Andamos todos à procura, certamente – mas aquilo que quem anda à procura parece estar a encontrar, está longe do potencial que as novas máquinas nos oferecem. Deram-nos o carro mas ainda estamos a tirar a carta de condução. Não é tudo estrada...