Erguer a taça
Estávamos a gravar o Hotel Babilónia deste sábado, o convidado era o António Manuel Ribeiro, eterno líder dos UHF, eterno lírico do rock nacional. Tenho com ele uma memória muito forte de um tempo em que, jornalista do semanário “Sete”, acompanhava o dia-a-dia dos UHF e o António me abriu as portas para o backstage da banda. Os UHF eram, naquela primeira metade dos anos 80, o super-grupo do rock nacional e tinham verdadeiras hordas de fãs que os seguiam para todo o lado. Protagonizaram a primeira transferência de editora com valores finaceiros que se vissem. Vendiam discos como pipocas em cinema. Eu estava lá e vi.
Depois veio o projecto “O Independente” e afastei-me do jornalismo musical – por isso, naturalmente, afastei-me também do convívio com muitos músicos, nomeadamente o António Manuel Ribeiro. Ele sabia que a musica dos UHF não era exactamente a minha praia, ainda que gostasse de algumas canções e tivesse uma enorme admiração pela dedicação, empenho e paixão do António. Ficou a memória e uma intimidade que se prolonga até aos dias de hoje.
Quando entrou no estúdio, o António abriu um saco e começou a tirar discos e livros que nos queria oferecer. Entre eles estava a edição em CD de “Noites Negras de Azul”, um disco de 1988, auto-produzido e depois editado pela Edisom, editora de que o meu irmão António Manuel foi sócio-fundador. De raspão, o António disse-me que esta reedição de 2008 tinha uma homenagem ao meu irmão, mas confesso que na confusão da pressa para gravar nem percebi bem o que ele queria dizer.
Mais tarde, em casa, abri o CD e no folheto interior li:
“Quero recordar aqui o António Manuel Rolo Duarte (A&R da Edisom), que em 1988 acreditou em mim, depois de ouvir «Na Tua Cama». Com ele partilhei momentos de grande profissionalismo: tinha um imenso sentido de humor, foi um criativo único no país da música. No dia em que entrámos para o Top de vendas, fomos até Almada celebrar e comer caracóis. À sua memória ergo a taça”.
Comovi-me, claro.
Muitos músicos e compositores portugueses, do rock à música popular, poderiam dizer exactamente o mesmo do meu irmão António Manuel. Talvez alguns deles tivessem até essa divida de gratidão. Mas foi o António Manuel Ribeiro que lhe fez justiça.
Ergo a taça, inesperadamente, a mão tremida. Nesta “noite negra de azul”.