O surfista
Tenho observado o discurso e a postura de José Sócrates. Não lhe escapa uma falha ou uma escorregadela do adversário – e em cima de qualquer brecha, constrói um novo cenário. Quem o oiça falar e nunca o tenha visto julgará que está pela primeira vez a disputar eleições. O homem não se cansa.
O adversário parece já ter nascido derrotado. Uma pena.
No outro dia postei no Facebook algo assim: “Já não sei onde é que li, mas faço minhas as palavras alheias: se eu pudesse, emigrava para o Portugal de José Sócrates. É que é um país tão melhor, que tá-se bem lá de certeza. Este Portugal real é que não dá com nada...”
... Mas agora parece-me que é pior: José Sócrates não apenas vive num outro Portugal, diferente daquele onde vivo, como recria o seu próprio país conforme os dias. Ora Portugal estava já condenado ao FMI, ora passou a estar, ora nunca esteve, ora jamais estaria (se ele fosse primeiro-ministro...). Sócrates fala como primeiro-ministro, ex-primeiro-ministro, líder de oposição, futuro líder de oposição, líder recente da oposição, imigrante acabado de chegar, Zé Maria a sair do Big Brother. Às vezes fala como Passos Coelho devia falar, outra vez cala-se como não se cala Catroga. Nuns dias Portugal sorri, noutros tem o abismo a um passo. Não se sabe nunca que Sócrates vamos ter amanhã – depende do que se queira, depende do que seja preciso.
É o mais completo surfista em cima de um tsunami: por sobre a tragédia, ele vai na prancha, sempre em pé. E até sorri. Sabe que um tsunami deixa cadáveres pelo caminho – mas são outras pessoas, de um país que podia ser o dele mas rapidamente deixa de ser, deve ser do PSD, deve ser da crise internacional. O tsunami avança, e ele, sempre em pé, vai na onda. Morreu alguém? Foi culpa da oposição. Ou da crise internacional.
Ele vai na onda, ele está bem. O pior que lhe pode acontecer é ganhar as eleições. Não há um Portugal de José Sócrates – há apenas um José Sócrates. E o tsunami que tudo leva à sua passagem. Mas ninguém vê.