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Pedro Rolo Duarte

30
Nov07

Disfunção pública

Aqui há tempos fui vítima de um roubo – e marcharam, entre outros valores, todos os documentos. Sem excepção. Sobre a experiência que vivi na Loja do Cidadão, com o novo projecto “Perdi a Carteira”, “postarei” um dia destes (reproduzindo aliás uma carta “de leitor” que enviei, com um nome menos óbvio, Pedro Madeira, ao “Público”, e foi devidamente editada).
Sobre o estado do Estado, no dia em que os funcionários públicos fazem mais uma greve, apetece-me dizer que:
1. A segunda via da Carta de Condução foi-me prometida, no prazo de um mês, a 19 de Outubro. Até hoje, raspas. Se fosse ao contrário, eu estaria a pagar uma multa. Tanto quanto sei, ninguém me devolve o que paguei pela segunda via deste cartão, nem há um só funcionário penalizado por esta falha.
2. O cartão de beneficiário da Segurança Social nem sequer o consegui requerer, porque está cancelada a sua produção. Tentei perceber porquê – mas a funcionária que me atendeu foi tão pouco simpática na tentativa de explicar (“já lhe disse que não estamos a emitir cartões, o que é que o senhor quer mais?”), que desisti. Ninguém será penalizado.
3. O cartão de utente do Serviço Nacional de Saúde foi-me prometido para daqui a, no mínimo, seis meses: “Os Serviços não avisam ninguém, vá passando pelo Centro de Saúde e pergunte...”. Ninguém tem culpa.
4. O senhor que me vendeu um livro de recibos verdes foi uma pedra de gelo com olhos. Tive medo de o incomodar com mais perguntas sobre o cartão de contribuinte, e vim embora. O seu vencimento não sofre alterações pela sua antipatia.
No decorrer das diligências para obter estes e outros documentos, observei situações de negligência, má educação e prepotência (comigo, mas especialmente com outros cidadãos, especialmente quando não de raça branca) dignas de processo disciplinar. Exemplo: “Se o senhor não sabe o nome da freguesia onde vive, o que é que está aqui a fazer?” – para um cidadão que acabara de mudar de residência...
Eu sei que é politicamente incorrecto generalizar observações quando se fala da função pública. Mas é esse sentimento de indiferença que nós, os “outros”, sentimos sempre que os serviços do Estado protestam, e pedem salários mais elevados. Nunca se viram ao espelho? e o que pensam sobre o trabalho que executam? Acham que efectivamente merecem os aumentos que reclamam?
Como cidadão que frequenta os serviços do Estado, acho que não.
Ficamos assim por hoje. Divirtam-se na greve do costume. Boas festas.
29
Nov07

O blog da Fátima

Tenho, há tempo, uma discussão familiar sobre este tema. Como é familiar, não trago a discussão para a praça pública – mas como um blog não é a praça publica, mas a praceta de cada um, então posso, pelo menos, ousar uma abordagem ligeira.
(Já percebi que o meio é agressivo, mas tenho uma carapaça generosa, feita ao longo de mais de 25 anos. É difícil que me tirem do sério.)
Dizia que tinha a tal discussão familiar. Era o apelido. Rolo Duarte. Cada Rolo Duarte que aparecia onde eu trabalhava parecia que era um favor. E “era chato”, e o caraças. Abuso de posição dominante, na gíria económica. Pensei sempre que se um dia tivesse algo absolutamente meu – fosse um jornal, um café, ou um blog – poderia libertar-me finalmente dessas merdas e dizer mesmo o que pensava e fazer mesmo o que queria. Ora, este blog é a minha praceta e não tenho, tanto quanto sei, deveres e obrigações e expectativas a cumprir, accionistas para agradar e a CMVM (“ou CVM, como diz o Berardo...”) a controlar-me os passos.
Dito isto, subentendido o resto, remeto quem queira saber o que devia ser um blog realmente blog para este endereço: f-world-blog.blogspot.com .
Trata-se do blog da Fátima Rolo Duarte – quase sempre brilhante, muitas vezes genial. Todo dela. Junta o grafismo, o design, a escrita, o olhar, a ideia. Junta o talento todo que a minha irmã Fátima tem, sempre teve, e que eu mostrei, sempre que pude, nos lugares por onde passei. Mas também é verdade que o fiz com alguma discrição, aquela coisa de “não quero ouvir bocas”. Mesmo assim houve quem pensasse que fosse minha mulher e “lá está o gajo a promover os amiguinhos e familiares”. Como se fosse verdade. Perguntem à Sónia Morais Santos como é que desaguou no DN. Ou à Anabela Mota Ribeiro... Enfim, não interessa nada agora...
A Fátima é minha irmã. Tenho um orgulho desmedido no seu talento.
Volta não volta, pegamo-nos. Não vemos a vida do mesmo modo e ambos temos um feitio com tendência para se manifestar. Mas tenho a certeza que ela sabe quanto eu a admiro, como tenho a certeza de que gosta de mim. Irmãos é isso: nós podemos criticar-nos um ao outro, ai de quem venha de fora criticar um de nós.
A minha irmã Fátima tem o melhor blog que conheço.
Tenho pena de escrever isto apenas aqui dentro da minha praceta.
Mas sou assim, e já não tenho esperanças de mudar.
28
Nov07

Pobre e mal agradecido

Mail que recebi a noite passada, às 21:37, com assinatura oficial da Presidency of the Council of the European Union:
“No âmbito da Presidência Portuguesa da CE, a Faculdade de Medicina de Lisboa está a organizar a 2ª Conferência Internacional sobre Pobreza. O programa científico da Conferência, inclui um painel com 6 convidados de diferentes profissões (um fotógrafo – Rui Ochoa, um jornalista – Barbara Wong, um antropólogo – Isabel Baptista, um psicanalista – Maria Belo, um pobre).
Gostaria muito de convidá-lo para participar neste painel, como moderador, orientando a conversa com os convidados sobre os seus olhares sobre a pobreza. A ideia é conversar e ouvir as várias sensibilidades, olhares sobre esta experiência.
O painel está previsto decorrer entre as 15h e as 17h, no próximo dia 29 de Novembro (5ª feira). Gostaríamos também de o convidar para se juntar a nós no cocktail e jantar que se segue à sessão de trabalho, que também irá decorrer no Pavilhão de Portugal.
Lamentamos o inconveniente de efectuar o convite tão sobre o evento, mas estamos ainda a ultimar o programa. Só agora obtivemos o seu contacto. Na expectativa da aceitação do convite, o que muito nos honraria, subscrevo-me com os melhores cumprimentos”
Publico o mail na íntegra para que quem lê possa, caso queira, pensar comigo: será normal que, num convite oficial, em nome da Presidência Europeia, para um debate sobre a pobreza, se afirme que “pobre” é profissão, e “pobre” não tenha sequer direito a nome de gente (...a não ser que, como o convite deixa em aberto, eu tinha sido convidado na dupla-condição de moderador... e pobre...)? Será respeitável convidar um profissional para moderar uma Conferência a 48 horas dela ocorrer? Será aceitável que, anos volvidos sobre ser público o semestre em que Portugal têm a Presidência Europeia, e mais um de um ano depois das actividades que no seu âmbito decorrem serem aprovadas, as organizações afectas à Presidência funcionem desta forma?
Ou, dito de outra forma, mais crua, mas mais séria: quantos profissionais competentes destas áreas da organização de eventos e da comunicação estão desempregados para que outros, seguramente incompetentes, ocupem esses lugares trabalhando mal e porcamente, como este convite atesta?
O que mais me incomoda sempre que me confronto com casos deste tipo – e são tantos, não apenas no circuito do Estado... -, não é a circunstância de ver Portugal no seu pior. É a condenação suprema de confirmar que não muda. Isto é, que haverá sempre um lugarzinho para o incompetente – e que esse lugar está a fazer falta a um competente desempregado. Só isto explica o inexplicável.
27
Nov07

Coisas que eu aprendi*

Janto sozinho na “Trindade” e observo o espectáculo à minha frente: carne vermelha mergulhada numa frigideira cheia de um molho cuja composição oferece legítimas interrogações quanto ao teor de gordura, travessa de batatas fritas ao lado, imperial gelada à frente, pão branco, um pacote de manteiga. Ou seja: a arma mortífera toda concentrada em cima de um miserável toalhete de papel. Enquanto cometo o meu lento (porém, não doloroso) suicídio, listo algumas coisas que aprendi antes deste bife.
Que não nos devemos levar muito a sério. Aliás, nem muito nem pouco – nada.
Que os sábios chafurdam na dúvida e fogem da certeza como o diabo da cruz.
Que o amor não é eterno nem enquanto dura.
Que a amizade inicia a sua descida para os infernos no dia em que nos dizem “ligo-te para a semana” depois da primeira vez em que não nos atendem o telefone.
Que não é por acaso que os ratos se salvam sempre.
Que vamos engolir mais palavras na vida do que imperiais geladas.
Que as imperiais escorregam melhor do que as palavras.
Que também diziam que o azeite fazia mal.
Que também diziam que ovos é que era bom.
Que a idade não é um posto. Talvez seja um porto.
Que nesse caso talvez a idade seja uma doca seca.
Que pior do que não ter currículo é ter excesso de currículo.
Que, em geral, quem está por cima se esquece do tempo em que esteve por baixo.
Que a frase anterior se presta a trocadilhos sexuais óbvios e dispensáveis.
Que as coisas ficam mesmo depois de nós partirmos.
Que nenhum ser humano ficará – mas que as coisas dos seres humanos ficam, ficam, ficam.
Que o mundo era um local mais aprazível se nos lembrássemos permanentemente que as coisas ficam mesmo depois de nós partirmos.
Aqui chegado, pedi a conta e voltei para casa. Ía começar a listar tudo o que faria do mundo um local mais aprazível. Não me apetece.
* - A ideia original é da edição norte-americana da minha revista masculina favorita, a "Esquire". Já foi adaptada cá pelo Expresso. Eu não adaptei - copiei mesmo.
26
Nov07

Bom vento (de Espanha, claro)

Leio atentamente os comentários que se fazem aos textos que escrevo (por principio, respeito-os: não respondo nem apago, apesar de alguns insultos ou insinuações baixinhas). Leio os comentários que se fazem a textos de outros blogues. Leio os outros blogues, muitos, dezenas, centenas.
Noto um traço frequente: indignação. Escreve-se muito quando se está indignado, quando se quer criticar, lamentar, protestar. Escreve-se para insultar, ofender ou apenas “tirar a barriga de misérias” no que diz respeito à frustração e à tristeza mais triste do mundo, que é a terrível solidão e o decorrente silêncio das paredes. Escreve-se para dizer mal, para desconfiar, para duvidar, para denunciar. Ontem, disse bem do Expresso – logo pairou a desconfiança sobre as minhas reais intenções. Ou seja: mesmo quando alguém diz bem, parece estranho o fenómeno e especula-se sobre as razões lunares de tal facto.
E hoje?
Hoje eu vou dizer bem outra vez. Vou dizer que gostei de chegar à página 70 do jornal espanhol ABC e ler assim: duzentas famílias de Badajoz compram casa em Elvas. Os preços são mais baixos, a qualidade de vida é recomendável. O Presidente da Câmara de Elvas declara ao jornal: “Para nós não existe fronteira, convivemos de todas as formas, e tal como há cidadãos de Elvas que vivem em Badajoz, é normal que muitos ‘extremenhos’ decidam instalar-se aqui”. O IVA é mais alto deste lado, tudo o resto é mais barato. Compensa. A compra de casas em Elvas por espanhóis, diz o ABC, salvou o negócio imobiliário local. Anima a economia da região. A Câmara admite agora pensar na abertura de uma escola para os meninos espanhóis cujos pais decidiram atravessar a fronteira.
De Espanha vem bom vento. Por mim, casamento. Menos indignação e mais acção. “Menos ais”, como dizia a canção. Se eu acordasse de alguma forma, talvez acordasse assim. Sem acidez no estômago nem veneno e destilar.
Este blog hoje acorda em Elvas.
25
Nov07

O Expresso

Faz parte de uma certa cultura urbana “dizer mal” do Expresso. Há anos que é assim. Passou a aceitar-se como óbvio que o Expresso “não traz nada de interesse” – esta é a frase fatal – e os mais de cem mil compradores que “insistem”são certamente tolos ou distraídos. Eu faço parte desses distraídos.
Todas as semanas, ao sábado, penso o contrário. O Expresso – que, como todos os jornais, teve os seus momentos mais altos e mais baixos, jornais são como pessoas... - voltou a ser um semanário indispensável desde a última renovação. A opinião ganhou (Miguel Sousa Tavares tornou-se incontornável, ao lado de Clara Ferreira Alves, Pereira Coutinho, Cutileiro, Freitas Lobo...). A revista melhorou substancialmente e consegue um equilíbrio feliz entre leitura mais leve e matérias mais densas (a ideia da capa de hoje, Amaro da Costa, é um ovo de Colombo há anos à espera de quem o descobrisse...). O primeiro caderno voltou a marcar a actualidade, sem especulações baratas ou sensacionalistas.
É curioso notar que o jornal sofreu uma generosa razia de quadros há pouco mais de um ano – e que esse facto não se reflecte, hoje em dia, no produto.
A edição de sexta-feira do Público – a melhor de toda a semana -, e o Expresso ao sábado, fazem o meu fim-de-semana informativo. Junto-lhes o Correio da Manhã para apimentar os dias. O resto é mais do mesmo. Ou menos do mesmo.
 
PS – Não tenho qualquer interesse pessoal neste post: o Expresso, onde nunca escrevi, ignora o meu trabalho e a minha pessoa há muitos anos. Houve um tempo em que ainda se dava ao trabalho de arrasar os programas que fazia na televisão. Agora nem isso.
24
Nov07

A barriga

Eu tinha acabado de transferir para o quarto as camisas de Verão, quando tudo aconteceu. Avistei uma camisa que não usava há um ano. Cor de laranja. Pareceu-me que ainda se aguentava este ano. Ensaiei vesti-la...
... E o que aconteceu? Resposta: o quarto botão a contar de cima hesitou antes de aceitar ser abotoado. Mostrou-me que eu tinha mudado de formato, ainda que houvesse a muita vaga hipótese da camisa ter encolhido na última lavagem.
Não tinha encolhido, claro. Eu é que tinha mudado. Nem mais alto, nem mais baixo. Nem mais gordo, nem mais magro. Mas – isso sim, novidade... - com um pneu à volta do estômago. Em rigor: “uma barriga”. Algo que de há uns anos a esta parte me cercava, andava a dar sinais, mas que neste primeiro ano sem fumar se instalou dramaticamente, sem dó nem piedade, e sem pedir licença. Chegou, viu e venceu.
A minha primeira reacção foi de pânico. Depois, medo. Por fim, pavor. Os artigos de jornal e revista sobre barrigas parecem vindos do outro mundo – associam esta inusitada bóia a mortes de toda a espécie, ao colesterol, ao coração. Depois, o culto do corpo e da eterna juventude, associado ao excelente marketing das clínicas de estética, ginásios e mesas de operações plásticas, fazem de qualquer quarentão um potencial deprimido crónico. Por fim, os suaves comentários dos que nos rodeiam... “Deixaste de fumar? Logo vi, estás mais cheiinho...”; “estás com óptimo ar, eras tão magro...”.
... Tudo muito animador. Especialmente quando o tempo escasseia para contornar o problema. Depois de uns dias tristes, apenas consolado pela M., que simpaticamente tentava encontrar vantagens (de que o efeito almofada era o menos tentador...) onde eu só via prejuízos, decidi olhar-me no espelho maior cá de casa. E tive uma surpresa: gostei do que vi. Gosto da minha barriga... Acho-a elegante, simpática, amiga. Não ocupa demasiado espaço. Tem bastante arrumação. Aguenta com os fatos e os casacos existentes.
Na verdade, não gosto da barriga dos outros, não gosto dos excessos alheios. Mas do meu... gosto. Ora, foi nesse instante que eu descobri que se nos entretermos a olhar a barriga dos outros e não perdermos tempo com a nossa, tudo é mais simples e claro: eles não estão nada bem – e enquanto tal sucede, não pensamos em nós nem sabemos, em rigor, a que estado chegámos.
O segredo é só este: olhemos a barriga dos outros, nunca a nossa. Ataquemos sem dó nem piedade os pratos que mais nos agradam e as bebidas que nos enchem as medidas. Vivamos sem medo nem vaidade. Ignoremos o espelho e os olhares menos simpáticos de quem nos cerca – e olhemos os outros e as suas misérias com implacável severidade. Na santa ignorância, temos meio caminho andado para umas férias tranquilas. Para o ano logo se vê. Aí está o pleno do Inverno...
(Ao sábado, aqui no blog, memórias. Este foi um texto publicado na “Lux Woman”, onde mensalmente me tratam com carinho. Editado agora. Nem sei de que barriga fala...)
23
Nov07

A palavra: muletas

Há anos que eu procurava a mais pura e rigorosa definição para os subsídios do Estado a filmes que ninguém vê de cineastas inexistentes ou, como diria o meu pai, “índios chupistas”. Quem diz filmes, diz peças de teatro sem espectadores e projectos culturais sem pés nem cabeça.
Cresci profissionalmente em meios não subsidiados – os jornais, os livros, os discos – que nem por isso deixaram de se desenvolver e dar dinheiro (Ou lucro, conforme os gostos...). O sucesso da indústria livreira é o mais claro exemplo de um negócio não subsidiado que saiu sozinho do vermelho num país onde o caminho mais fácil seria pedir “ajuda” em nome da cultura e da instrução.
Trabalhei em meios que foram apoiados mas nunca sustentados, porque sempre tiveram publicidade e medições de audiência (rádio e televisão), ou foram aceites como serviços públicos. Nunca entendi a protecção ao cinema e ao teatro, na medida em que verifiquei que o que é bom tem receitas, público, e pode bem viver no (e do) mercado.
Dizia então: há anos que eu procurava uma definição perfeita para esta subsidio-dependência em que vive uma certa cultura em Portugal. Estava a ler o El Pais de ontem e encontrei a palavra, numa matéria sobre a nova Ley del Cine. Título da matéria: “Más muletas para el cine español ”.
Muletas, senhores. É de muletas que sempre andou e continua a querer caminhar esta cultura do subsídio. Muletas. A palavra.
Quando voltar a ver um filme subsidiado, e mau, não deixarei de dizer: cá vai um filme com muletas. Quem diz filme diz peça. Diz o que tiver de dizer. Mas das muletas não me vou esquecer.
22
Nov07

Tratar da saúde

Há uns meses que a B. se queixava de umas sensações estranhas nas mãos. Entre amigos e família, parecia claro que não seria nada de grave – mas na verdade, perto dos 80 anos de vida, por maior e melhor saúde que se aparente, há sempre achaques e problemas e “coisas que não estão bem”.
Depois da sequência normal de medicamentos, análises e exames, o médico de família da B. achou que o ecodopler deveria ser analisado por um especialista cardiovascular. Passou a credencial para marcar a consulta no Hospital de Santa Maria. Em Julho, a B. tratou do assunto: marcaram-lhe para o dia 23 de Novembro, ou seja, para dali a quatro meses. Seria amanhã.
Ontem, a B. recebeu uma carta do Hospital de Santa Maria a lamentar a impossibilidade de confirmar a consulta de amanhã e a remarcar para o dia 19 de Maio de 2008. Ou seja, daqui a (mais) meio ano.
A B. está reformada, descontou durante 40 anos para, entre outros benefícios, ter cuidados de saúde essenciais. Terá de recorrer a um médico particular, e pagar os clássicos 100 euros de “primeira vez”, se quiser realmente saber, em tempo útil, como resolver o problema que a afecta.
Há 15 dias, uma notícia na TV revelava que existem 380 mil doentes à espera da primeira consulta nos hospitais públicos. O ministro Correia de Campos “já se manifestou disponível para esclarecer o facto”.
Eu preferia que o ministro se disponibilizasse para ir embora. Está naquele lugar desde Março de 2005, já tinha sido ministro da saúde em 2001/2002. Não precisávamos que esclarecesse – precisávamos apenas que resolvesse. Não resolveu? Siga.
21
Nov07

Palma no Coliseu

(Estávamos os dois a ver os nossos filhos, muito pequeninos, a jogar à bola no campo de futebol da Zambujeira. E o Jorge disse assim:
- Pode ser que o meu puto seja o que eu fui, mas em bom.
Não lhe respondi porque o conheço e sei que não me ouviria. Mas lembrei-me disso no Coliseu, a noite passada).
A luz foi péssima, conseguiu o milagre de matar a intimidade nas canções íntimas e intimidar nas canções fortes. Os tempos foram lamentáveis. Entre canções, do princípio ao fim. A sequência dos temas dificilmente poderia ser mais mal escolhida, ainda que os temas fossem primorosa e certeiramente seleccionados.
... E no entanto, eu assisti esta noite ao mais arrebatador e emocionante concerto que me foi dado ver este ano. Cada canção valeu por si. “Casa do Capitão”. “Encosta-te a mim”. “Canção de Lisboa”. Estrela do Mar”. “Ai Portugal”. Cada canção foi em si um concerto, um episódio completo.
Entre ele e os músicos – e entre eles e nós – havia mais do que empatia. Comunhão parece-me a palavra justa.
Ele estava feliz e emocionado, humildemente agradecido por ser agora reconhecido como antes merecia e não foi. Deu o melhor que tinha. Deu tudo. A cada momento parecia que explodia de alegria. Uma criança num palco pequeno demais para todo o seu talento. Um génio que pedia desculpa por improvisar genialmente no piano. Um profissional que pela primeira vez se irritou com o mais humano dos enganos.
“Nós já vivemos cem mil anos” – mas nem que os tivéssemos vivido, eu queria mais esta noite só para mim. Só para nós.
(Não respondi naquela tarde, na Zambujeira. Respondo agora:
- Jorge, o teu maior drama e a tua maior felicidade é seres realmente tu próprio, e em bom).

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Blog da semana

Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.

Uma boa frase

Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira

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