11
Dez07
O negro do mundo rosa
Este mês, na revista “Atlântico”, Maria Filomena Mónica dedica-se à imprensa cor-de-rosa. Infelizmente, dedica-se pouco – uma vez que não passa de uma análise pessoal a partir da leitura comparada, ao longo de um mês, da maioria dessas revistas. Mas o facto de Filomena Mónica e a “Atlântico” acharem que o tema merece alguma espécie de olhar, animou-me. Eu ainda tenho esperança de um dia ler uma investigação inteligente e profunda sobre este universo. O pouco que sei sobre ele diz-me que há muito por saber.
Embora a confissão seja irrelevante, é verdade que leio toda essa imprensa. “Ler” constitui verbo excessivo: vejo as fotos, leio os títulos, gosto de saber dos casamentos e dos divórcios. Talvez porque conheça algumas das pessoas que por ali se exibem, ou apenas porque sim. Seguramente, porque sim.
No outro dia – e aqui vai um pouco do pouco que sei e me leva a dizer que há ali muito por saber... - estava a ver uma dessas revistas e comentei para o lado: “Não percebo esta moda das discotecas e bares terem relações públicas que são figuras conhecidas das novelas e da moda...”
Dava-se o caso de ao meu lado estar uma profissional do meio. Explicou-me como funciona a coisa. É assim: a discoteca B convida a actriz A para ser relações públicas. A actriz A elabora semanalmente uma lista de pessoas conhecidas, a chamada "guest list”. Fica a dita lista na porta da discoteca B . As pessoas que constam dessa lista são "melgadas” pela actriz A para irem à dita discoteca, sob o pretexto de uma festa ou noite temática. Por cada uma que passe as portas da casa, a actriz A recebe, em média, um euro. Está determinado o seu “cachet”.
No caso de figuras mais mediáticas e chamativas, que por si só geram outras presenças e páginas nas revistas sociais, o negócio é outro: cobram para estarem presentes numa festa ou numa noite numa discoteca (valores que oscilam conforme os momentos, como acções na bolsa, e podem ultrapassar os 500 euros por noite). Chamam a essa espécie de trabalho uma “presença”. As discotecas, quando “chamam” as revistas, prometem antecipadamente a presença das figuras “fotografáveis” que entretanto contrataram para fazer de conta que estão ali por gosto e com gosto...
Uma verdadeira pescadinha de rabo na boca a que os chamados “colunáveis” chamam um figo, alimentando “generosamente” com as suas existências. Este mundo envolve profissionais que se fazem pagar para organizar e promover eventos, alguns dos quais são também os repórteres ou fotógrafos ao serviço da imprensa para as mesmas festas, ou comentadores de TV e rádio pagos para o efeito. Conflituam interesses com carteira profissional e sorriso escancarado – com ou sem conhecimento dos meios de comunicação. Sempre com dinheiro envolvido.
Cá está. O tema merecia uma boa investigação. Todas somadas, as revistas ditas cor-de-rosa significam qualquer coisa como 800 mil exemplares de tiragem semanal. Ultrapassam qualquer outra categoria. Temos a estranha mania de fazer de conta que as ignoramos. Mas elas vivem deste outro mundo onde se facturam “presenças” e se ganham euros com "guest lists”, onde quase tudo se compra e se vende.
Disclaimer : às vezes, eu próprio apareço nessas revistas. Infelizmente, de borla... (Para as mentes mais desatentas: isto é ironia.)