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Dez07
Gastar o tempo
Na estação de metro a reluzir de nova, a repórter da televisão interpelava o idoso que aproveitava a boleia do primeiro dia:
- Então o senhor veio até aqui para dar uma volta?
E ele, com desarmante simplicidade:
- Não, minha senhora, vou gastar o tempo.
A repórter insistiu, falou-lhe na viagem “de borla”, ele respondeu que tinha passe, e ela a rematar novamente com o passeiozinho. O velho repetiu, impassível:
- Não, minha senhora, não vou passear. Vou gastar o tempo.
O tempo que tem de passar mesmo para quem já não tem o que lhe fazer. O tempo que nunca se ganha para quem não sabe o que lhe fazer. Ou não sente que o perde ao apenas gastá-lo.
E assim desafia a vida a fazer-lhe a vontade de a não viver.
Chego então onde quero: “A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos”*.
* - Bernardo Soares, Livro do Desassossego