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Pedro Rolo Duarte

11
Dez07

O negro do mundo rosa

Este mês, na revista “Atlântico”, Maria Filomena Mónica dedica-se à imprensa cor-de-rosa. Infelizmente, dedica-se pouco – uma vez que não passa de uma análise pessoal a partir da leitura comparada, ao longo de um mês, da maioria dessas revistas. Mas o facto de Filomena Mónica e a “Atlântico” acharem que o tema merece alguma espécie de olhar, animou-me. Eu ainda tenho esperança de um dia ler uma investigação inteligente e profunda sobre este universo. O pouco que sei sobre ele diz-me que há muito por saber.
Embora a confissão seja irrelevante, é verdade que leio toda essa imprensa. “Ler” constitui verbo excessivo: vejo as fotos, leio os títulos, gosto de saber dos casamentos e dos divórcios. Talvez porque conheça algumas das pessoas que por ali se exibem, ou apenas porque sim. Seguramente, porque sim.
No outro dia – e aqui vai um pouco do pouco que sei e me leva a dizer que há ali muito por saber... - estava a ver uma dessas revistas e comentei para o lado: “Não percebo esta moda das discotecas e bares terem relações públicas que são figuras conhecidas das novelas e da moda...”
Dava-se o caso de ao meu lado estar uma profissional do meio. Explicou-me como funciona a coisa. É assim: a discoteca B convida a actriz A para ser relações públicas. A actriz A elabora semanalmente uma lista de pessoas conhecidas, a chamada "guest list”. Fica a dita lista na porta da discoteca B . As pessoas que constam dessa lista são "melgadas” pela actriz A para irem à dita discoteca, sob o pretexto de uma festa ou noite temática. Por cada uma que passe as portas da casa, a actriz A recebe, em média, um euro. Está determinado o seu “cachet”.
No caso de figuras mais mediáticas e chamativas, que por si só geram outras presenças e páginas nas revistas sociais, o negócio é outro: cobram para estarem presentes numa festa ou numa noite numa discoteca (valores que oscilam conforme os momentos, como acções na bolsa, e podem ultrapassar os 500 euros por noite). Chamam a essa espécie de trabalho uma “presença”. As discotecas, quando “chamam” as revistas, prometem antecipadamente a presença das figuras “fotografáveis” que entretanto contrataram para fazer de conta que estão ali por gosto e com gosto...
Uma verdadeira pescadinha de rabo na boca a que os chamados “colunáveis” chamam um figo, alimentando “generosamente” com as suas existências. Este mundo envolve profissionais que se fazem pagar para organizar e promover eventos, alguns dos quais são também os repórteres ou fotógrafos ao serviço da imprensa para as mesmas festas, ou comentadores de TV e rádio pagos para o efeito. Conflituam interesses com carteira profissional e sorriso escancarado – com ou sem conhecimento dos meios de comunicação. Sempre com dinheiro envolvido.
Cá está. O tema merecia uma boa investigação. Todas somadas, as revistas ditas cor-de-rosa significam qualquer coisa como 800 mil exemplares de tiragem semanal. Ultrapassam qualquer outra categoria. Temos a estranha mania de fazer de conta que as ignoramos. Mas elas vivem deste outro mundo onde se facturam “presenças” e se ganham euros com "guest lists”, onde quase tudo se compra e se vende.
 
Disclaimer : às vezes, eu próprio apareço nessas revistas. Infelizmente, de borla... (Para as mentes mais desatentas: isto é ironia.)
10
Dez07

Manual Prático da Política Ocidental

Quem efectivamente quiser fazer um Manual da Verdadeira Forma de Fazer Política no Ocidente nos Tempos que Correm, não tem mais do que relatar factualmente, sem necessitar das muletas da análise ou da opinião, o que aconteceu este fim-de-semana em Lisboa.
Quem são todos os que vieram, por que tragédias (humanitárias, politicas, de guerra, de terrorismo, de prepotência, de ditadura, de violação dos direitos humanos) são responsáveis, o que potencialmente podiam ser os países que gerem e o que são na realidade esses países.
Quem os recebeu e o que defende quem os recebeu.
Quem com eles negoceia e com isso cauciona as politicas que executam.
Como os que os receberam de sorriso aberto deixaram que dominassem as ruas de Lisboa e transformassem a cidade numa submissa capital de segunda ordem.
Como demonstraram o seu poder – em segurança efectiva ou posta ao seu dispor, em instalações e meios, em tempo de antena e cortesias, aviões, hotéis, agenda literalmente às ordens.
Esquerda e direita não se distinguem nessa forma peculiar de conciliar os direitos humanos com a economia, a democracia com a necessidade, a liberdade com o medo.
Este fim-de-semana, em Lisboa, pessoas que, à luz da legislação europeia, estariam presas em regime de alta segurança, dominaram a cidade, os media, gastaram dinheiro dos contribuintes, e receberam sorrisos da maioria dos dirigentes europeus.
Era uma vaga ideia que tinha, mas agora tornou-se um facto: o crime compensa.
09
Dez07

Ovelha ranhosa

Ando a ver este anúncio nas ruas de Lisboa há tempo demais. Nem tinha reparado que tinha chegado também à imprensa. Pretende, imaginem, promover os vinhos alentejanos.
A imagem de uma modelo - que, apesar da profissão, parece perguntar-se “Mas que raio faço eu aqui a olhar o vazio com uma ovelha pela trela?” - é acompanhada pela frase “a ousadia alentejana contagia”. Claramente, confundiram ousadia com tolice – e ao garantirem que se contagia, fizeram-me fugir a sete pés dos vinhos alentejanos. Agora bebo apenas Douro. Só de pensar que, consumindo a “ousadia alentejana”, posso ganhar a mítica imaginação dos pastores e fazer de uma ovelha um animal de estimação...
(Quem terá sido o criativo a descobrir ousadia onde só existe patetice?
Quem terá, com o carimbo da União Europeia, IFADAP e Ministério da Agricultura, aprovado este anuncio e entendido que fazia qualquer espécie de sentido?
Quem quer mesmo acabar com a boa imagem do vinho do Alentejo?)
Quem querem eles, afinal, convencer?
Exceptuando ovelhas de QI excepcional, não vejo quem.
08
Dez07

Uma carta (há dois anos)

(Ao sábado, memórias e reedições. Uma carta, algures em Dezembro de 2005)
Caros amigos, colegas, colaboradores:
Tudo o que tem um começo tem também um fim. E ao fim de nove anos de boatos e ameaças, de rumores e “rádio alcatifa”, finalmente é verdade: o DNA acaba na primeira semana de Janeiro de 2006. No seu lugar, nas páginas do DN, nascerá um novo suplemento, com características distintas, e uma equipa presumivelmente diferente (seguramente outra, no que me diz respeito, uma vez que a não integrarei).
Foram nove anos de caos e alegria, com momentos exaltantes, com vitórias conquistadas a pulso, e acima de tudo com um conjunto de pessoas que me orgulho de ter reunido e alimentado. A pão-de-ló, sempre que me foi possível.
Dos erros cometidos não quero nem falar. Do orgulho que tenho em ter imaginado, concebido e editado o suplemento, não tenho palavras que cheguem para vos dar conta da minha alegria. O DNA foi o projecto mais apaixonante que tive na minha vida profissional – e se assim o sinto, a vós o devo. Porque os jornais são pessoas, são palavras, são imagens, são ilustrações. Porque o DNA foi tudo isso com uma dose reforçada de sentimentos, de personalização, de empenhamento. E porque sem estas pessoas o DNA não teria sido este, mas outro – e desse outro também não quero saber, porque felizmente existiu este.
Quando o DNA nasceu o meu filho tinha um ano. Mal falava, mal andava. Hoje tem 10 anos e só não lê o DNA porque não dedicamos muito espaço ao Benfica. Quando o DNA nasceu a Sónia só namorava – hoje é feliz, casada, tem dois filhos e comprou uma casa nova. Quando o DNA nasceu... Há nove anos, tudo era diferente para todos nós. O DNA acompanhou a mudança de todos e de cada um, e entrou nas nossas vidas com naturalidade.
O DNA sofreu, riu, teve doenças, chorou, gritou, caiu e levantou-se, tropeçou e equilibrou-se. O DNA existiu – como uma pessoa feita dos bocadinhos de todas as suas pessoas. Que mais pode um simples suplemento de jornal sonhar?
Mas... Tudo o que tem um começo tem também um fim. E para um projecto pensado para durar dois ou três anos, completar nove anos é obra. Chegar ao fim com orgulho, com páginas que nunca nos envergonharam, e com a certeza de ter cumprido o sonho, dá tranquilidade e serenidade. O DNA não acaba por ter falhado – mas antes por ter vencido. Aliás, o DNA não acaba – chega ao fim, o que é substancialmente diferente. Missão cumprida, é disso que se trata.
Se é verdade que quando se fecha uma porta, abre-se uma janela – então eu prefiro olhar para a janela que se abre e não ficar parado a ver a porta fechar-se. É assim que encaro este final de capítulo. O livro não acaba – vai continuar algures, em cada um de nós, juntos ou separados, pela vida fora. A experiência de mais de 20 anos de jornalismo ensinou-me que os reencontros são mais frequentes do que parecem. E que o futuro reserva sempre boas surpresas. É essa a mensagem que vos deixo.
Junto com ela, vai também a profunda e reconhecida gratidão a todos pelo melhor que deram ao suplemento – e, nessa medida, pelo melhor que me deram a mim. No dia 6 de Janeiro fechamos a porta – mas virá luz da janela que se abre.
07
Dez07

Do Benfica sei que sou

Na minha qualidade de observador de blogs, trabalho que tento desempenhar com seriedade e sem qualquer espécie de preconceito, tenho notado que um dos mais recorrentes debates – quase sempre antes ou depois dos ânimos azedarem entre bloggers das mesmas ou de divergentes orientações e ideias – assenta sobre a dicotomia esquerda-direita na sua variante mais básica: o que distingue ambos os lados, como se notam e reconhecem, como reagem. Para a “National Geographic” só faltava o “como se reproduzem” – mas isso já me levaria longe demais, porque as matérias ligadas à reprodução convocam outro tipo de abordagem (literalmente, é claro).
O debate é interessante e válido. Na mais recente polémica, nascida no blog “Atlântico” (http://www.atlantico-online.net/blogue) , mas rapidamente difundida pela rede, só não esperava vir a concordar com Daniel Oliveira - que é cansativamente de esquerda e prega noutra freguesia - quando escreve “a política não é um jogo de futebol. Se a direita nunca mudar a esquerda poderá ficar, para sua desgraça, sempre na mesma. E vice-versa. Os teus ditadores, os meus ditadores, as tuas incoerências, as minhas incoerências, os teus fanáticos, os meus fanáticos, a tua violência, a minha violência, os teus esqueletos, os meus esqueletos”.
Mas, na verdade, concordo.
Este bocadinho de prosa interessa-me na medida em que, de fora, observo estes conflitos. E digo “assim, de fora”, porque é como me sinto: que fazer a pessoas que, como eu, alinham à esquerda quando se fala de aborto e à direita quando o tema é Hugo Chavez? Que pensam à esquerda sobre segurança social mas concordam com a direita quando o tema é mercado e liberalização dos contratos de trabalho? Que têm um passado militantemente à esquerda mas se envergonham dos muros de Berlim que a URSS foi criando por esse mundo fora? Há temas em que sou de esquerda, há outros em que sou de direita...
Realmente, a politica não é um jogo de futebol, com dois lados e uma bola ao meio.
Aprecio quem sabe a que lado pertence.
Não apenas porque não sei, mas porque só tenho a certeza de ser do Benfica.
E isso é desde que nasci.
O resto, um dia de cada vez.
06
Dez07

Uma perguntinha à ERC

Muito rapidamente, que estou cheio de pressa: na página 5 do “Público” de ontem diz-se que o Tribunal de Contas apurou “que o executivo de Jardim gastou em 2005 quase cinco milhões de euros com o Jornal da Madeira, o único diário estatizado do país, onde o governante [Alberto João Jardim] quase diariamente assina uma página de opinião. Aquele montante representa 74,9 por cento do total de fluxos financeiros (...) concedidos naquele ano pela administração pública regional a órgãos de comunicação social”. O jornal acrescenta que a maioria da verba restante se destina a financiar rádios que são propriedade do secretário-geral do PSD Madeira, Jaime Ramos (e que, nesse âmbito, ficam as ditas estações legalmente obrigadas a uma série de compromissos, que vão do noticiário das iniciativas do Governo Regional à promoção de entrevistas com membros do mesmo Governo).
Pergunta a minha curiosidade: o âmbito da actividade da Entidade Reguladora da Comunicação está limitado ao Continente? Não terá a ERC uma palavrinha a dizer sobre o que se passa na Madeira em matéria de Comunicação Social?
Silêncio.
Vivo num país extraordinário, onde as leis se afogam no Atlântico e as elites tratam Alberto João Jardim como se fosse um inimputável. A farra continua, tranquilamente.
 
... Entretanto, em Lisboa, a ERC procura um jurista e um especialista em análise dos Media, depois de ter contratado, no último ano, dois especialistas em sondagens, um técnico de estatística, 2 contabilistas, vários administrativos especialistas, 5 juristas. Pelo menos.



(Só para vossa informação:
Artigo 8.º do Estatuto da ERC.
São atribuições da ERC no domínio da comunicação social:
a) Assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa;
b) Velar pela não concentração da titularidade das entidades que prosseguem actividades de comunicação social com vista à salvaguarda do pluralismo e da diversidade, sem prejuízo das competências expressamente atribuídas por lei à Autoridade da Concorrência;
c) Zelar pela independência das entidades que prosseguem actividades de comunicação social perante os poderes político e económico;
d) Garantir o respeito pelos direitos, liberdades e garantias;
e) Garantir a efectiva expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, em respeito pelo princípio do pluralismo e pela linha editorial de cada órgão de comunicação social;
(...)
i) Fiscalizar a conformidade das campanhas de publicidade do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais com os princípios constitucionais da imparcialidade e isenção da Administração Pública)
05
Dez07

O dia seguinte

Na verdade, receio que o efeito da dramatização do empréstimo à Câmara de Lisboa produza o mais perverso dos efeitos: a ilusão de que, por obra e graça de umas centenas de milhões de euros, Lisboa acorde hoje, ou amanhã, sã, salva e deslumbrante. Os milhões estão a chegar. Tudo pode recomeçar. Venham as noivas de Santo António já em Janeiro.
Não.
Lisboa acorda hoje, e acordará amanhã, igual a ontem. Com os mesmos problemas, a mesma escassa qualidade de vida, a mesma sujidade, a mesma pobreza, o mesmo laxismo, o mesmo trânsito, a mesmíssima caça à multa, a mesma negligência, o mesmo ambiente, a mesma falta de urbanismo, a mesma sensação de impotência face ao caos. Até o mesmo drama financeiro. Praticamente na mesma, portanto.
António Costa vai poder mexer-se ligeiramente. Respirar um bocadinho. Pouco mais. Como quem tomou o analgésico essencial – atenua a dor, não cura a doença.
Dramatizar a vida política tem esta dupla-face : por um lado, acorda a comunicação social, e por essa via os eleitores, para um momento em que os partidos são obrigados a mostrar de que matéria são feitos, e em que o flash tem tendência a escolher quem fica mal na fotografia; por outro, recentra o foco dos problemas apenas naquele episódio, como se não houvesse ontem nem amanhã nem mais nada.
Ora, Lisboa é como uma novela da TVI: pode nunca acabar e haverá sempre mais um mau e mais um bom para protagonizar o próximo capítulo. É verdade que as televisões não dominam tão bem quanto julgam as dramatizações da política – mas, em rigor, os políticos não dominam de todo o segredo das novelas.
Esse é o problema do dia seguinte.
04
Dez07

Sem culpa, sem desculpa

O que eu gostava era que existisse um sistema que permitisse apurar com rigor quem são os autarcas que, em consecutivos mandatos, contribuíram para que a autarquia lisboeta chegasse a este estado de falência absurdo e caótico.
O que eu gostava era que o nome deles – de todos eles – fosse público. Que se percebesse com clareza onde estão os buracos financeiros, quem os permitiu, quem “deixou arder” – onde houve negligência, incompetência, desleixo.
O que eu gostava era que houvesse uma lei que transformasse todos estes indivíduos em arguidos. E que fossem julgados e condenados. E que pagassem, em penas efectivas, multas ou penhoras generosas de bens certamente acumulados, o prejuízo que causaram à cidade e aos seus habitantes.
 “Endividamento”, “falência”, “ruptura financeira” – tudo isto são palavras suaves para o crime de gestão danosa. No mundo da gestão privada, a condenação era evidente e chamava-se desemprego de longa duração. Na actividade pública, não passa nada. “Eles andem aí”, estou certo disso.
Com ou sem 500 milhões de empréstimo, já se viu para quem vai sobrar a conta no fim da crise. Para nós, lisboetas. Mais imposto aqui ou ali, mais taxa acolá.
Nós só vemos a banda passar. E pagamos.
(O diário espanhol El Mundo tem diariamente, acima do logótipo, um aforismo em geral interessante, e sempre diferente. No domingo, a frase do dia era de um tal Ambrose Bierce (presumivelmente, um jornalista e contista do século XIX) e rezava assim: “Paciência: forma menor de desespero disfarçada de virtude!”. Eis o que sinto mais vezes do que desejava na minha cidade: desespero travestido de virtude. Paciente, resisto.)
03
Dez07

A TV que eu vi

Corre por aí uma espécie de levantamento, ou votação, sobre os 50 melhores programas de televisão de sempre. Instado a dar um depoimento sobre o tema, passei o dia, a espaços, a pensar no assunto – sem conseguir chegar a conclusões.
Tenho com a televisão uma relação estranha. Afectiva, por um lado. Profissional, por outro. Não fui um miúdo teledependente (não porque a minha geração não o fosse já, que era, mas porque me dediquei na infância e juventude a actividades que me obrigavam a andar na rua, ou em reuniões, ou a escrever, e não tinha tempo para ver televisão). O lado afectivo resulta mais da ligação dos meus pais a programas onde trabalharam (nesse sentido, talvez o “Um, Dois, Três” tenha sido o momento marcante), ou da minha admiração por alguns profissionais.
Nunca consegui ter disciplina – ou vida... – que me permitisse seguir continuadamente uma novela, série ou concurso. O primeiro programa (português) que me agarrou um bocadinho foi “A Visita da Cornélia”. O segundo, terá sido o “Tal Canal”. O terceiro talvez seja o “Diz Que é uma Espécie de Magazine”. Mas é fácil reduzir a memória ao tempo mais recente. Houve mais tempo antes destes tempos.
Lembro-me de gostar muito de um mini-programa (de que ninguém se lembra) e se chamava “Sinais”: era diário, durava cinco minutos, não tinha texto nem apresentador, e era realizado e concebido pelo José Nuno Martins. Lembro-me de gostar dos programas do Herman mesmo quando já era “bem” dizer mal dele. Gostei dos primeiros anos da SIC-Noticias e via o canal, no arranque, como se fosse, no todo, um programa gigante e imparável. Gosto de pessoas da televisão que há e que houve – do Carlos Cruz, do Henrique Mendes, da Maria Elisa, do José Carlos Malato.
Mas na verdade a televisão tem sido para mim, desde sempre, plataforma de trabalho, fonte de informação, e uma forma suave de adormecer à noite nos momentos de solidão. Vai ser difícil escapar a esta ideia no tal depoimento que me pediram.
A não ser que recorde o dia em que fui ver ao vivo o “Zip Zip” no Teatro Villaret: tinha cinco anos e não me lembro de nada. Tenho a certeza de que é verdade porque às vezes repetem as imagens, a preto e branco, e vejo-me sentado na plateia, entre o meu pai e a minha mãe, a ver sei lá o quê...
02
Dez07

Os dias da Madredeus

Não quero “reeditar” demais aqui na praceta, mas anda a moer-me a notícia da saída da Teresa Salgueiro da “Madredeus” e a nuvem que de alguma maneira paira sobre o grupo. Eu conheci a Madredeus quando ainda era apenas um ensaio para amigos, justamente na Igreja da Madredeus. Eu vivi e vibrei e emocionei-me com muitos dos momentos deste percurso único e genial, nomeadamente alguns lançamentos internacionais que comovem qualquer português. Eu pertenço ao grupo daqueles que acha efectivamente que a Madredeus é maior do que a música portuguesa – por isso é de alguma forma maior do que Portugal.
Fui buscar um texto que escrevi, acho eu, em 1999, mas só publiquei em 2002, no livro “Sozinho em Casa”.
 Dizia o texto que...
Os amigos...
(Enquanto oiço, numa tenda montada ao vento do rio Tejo, as novas canções da «Madredeus»)
... São aqueles que sabem sorrir depois de muitos anos de ausência. Os que se comovem com um abraço forte e chegado. Os que sabem ler no silêncio as palavras que nos faltaram. Cujos nomes não esquecemos nem precisamos de lembrar. São os que queríamos ao pé de nós naquele momento que eles não poderiam adivinhar. Os que estão sempre. São os que citamos. Cujas histórias recordamos com gosto e prolongadamente. Os que nos fazem lembrar. São aqueles de quem nos lembramos numa paisagem que se reconhece, num cheiro que nos faz lembrar, numa cor que nos diz respeito. Os que aparecem repentinamente e nos surpreendem. Aqueles com quem quero agora partilhar estas canções. Aqueles que queria agora aqui bem perto. Os que encontro nestes bastidores e me fazem voltar anos e anos para trás. São os olhares que não mudaram, as palavras e os risos que perdemos da vista e do ouvido e imediatamente nos soam e são familiares. Os que dizem a palavra que ficou debaixo da língua. Os que percebem a palavra sem que a digamos. São os que não têm medo de olhar, mesmo quando olhar custa porque o tempo passou e estamos todos mais velhos. São os que descem juntos ao «abismo do vertiginoso futuro». Os que não cobram nem pagam. Os que mantém a conta-corrente em aberto. Os que sabem que a soma das partes não faz um todo, mas não deixam de entender que no todo estão partes de cada um de nós.
Passam os anos e regressamos sempre, e há reencontros que nos parecem óbvios, ainda que inesperados, e outros que nos apanham de surpresa, mesmo que improvisados num degrau dos dias.
São assim. São os que sei que vou ver no próximo concerto, na próxima paragem, na próxima estação. Os que acabam por parar sempre nos lugares onde também inevitavelmente paro. Os que abrandam, não vá a gente estar por ali. Os que «apitam», «assobiam», telefonam, chamam, gritam. Cujas vozes andam connosco para todo o lado, como grilos nas noites de Verão, e a elas recorremos quando de uma voz precisamos, quando daquela voz precisamos. São os que nunca morrem, mesmo quando vão daqui para outro lado, como o Matos, lembram-se?, não se podem lembrar porque nunca esqueceram. Os que ficam nossos porque dos nossos também são – outra vez o Matos, que era do Miguel, e por isso meu ficou também. São os que de certeza inspiraram uma canção – «Tarde, por favor», pode ser do Miguel, do Carlos, do Matos, do João, do Pedro – ou de quem nos lembramos por causa de uma canção. Os que fazem o coração dar voltas sobre si próprio de saudade e remorso e ausência sem ter fim. São os que merecem o ponto de exclamação no final de um sonoro «que falta que me faz». E a falta que faz um ! no fim deste «que falta me faz».Fica: !
... E a falta, por mais falta que seja, nunca nos falta quando é deles que falamos. Porque neste «balanço de perdas e danos» o melhor é sabermos que existem e pensam em nós como nós pensamos neles. Um dia vamos chorar porque queríamos mais, e mais tempo, e o tempo não chegou.
São os que nos ajudam, os que ainda sabem quem somos e de que somos capazes. Os que nos recordam quem fomos. Aqueles em quem nos revemos, nem que seja por instantes, nem que seja por conta de um instante que já passou. Aqueles cuja palavra é exacta, um «sim» quer dizer mesmo «sim», um «não» é a perfeita negação, a recusa, a rejeição.
... Na exactidão da verdade, eles são o pior e o melhor de nós. Penso neles quando passo uma noite a ouvir a «Madredeus». Penso neles quando regresso ao meu melhor passado e sinto que o tempo não me afastou. Nem eu dele. Como dos amigos. E eu deles.

Blog da semana

Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.

Uma boa frase

Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira

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