Partir, mas ficar
Ontem andei a passear na Praça de Londres, numa feira de antiguidades que regularmente nasce no jardim central. Para mim, o prazer de vaguear por aquelas bancas de objectos antigos - a que se decidiu renovar valor, sem que se perceba bem qual é o critério para a cotação... - é encontrar moedas dos escudos da minha infância, postais que me lembro vagamente de ver no quiosque de jornais da Praia das Maçãs no começo dos anos 70, colecções de caixas de fósforos parecidas com as do meu pai, cromos de colecções que eu fiz na escola preparatória Eugénio dos Santos, brinquedos de chapa pintada e madeira, paliteiros em louça da Água de Vidago...
Apetece-me comprar tudo o que me diz respeito. Felizmente, o bom senso encarrega-se de me travar com a mais óbvia das perguntas: “mas tu acabaste de mudar de casa e deitar toneladas de passado para o lixo, queres agora recomeçar tudo?”
Não quero, claro.
Mas não resisto a uma revista onde encontro o anúncio que determina a minha relação de infância com os aviões. A companhia de excelência era a “Pan Am”, o sonho era voar até Nova York, e um 747 era mesmo o “transatlântico do espaço”. Ou seja: o modelo do avião contava na publicidade tanto quanto o destino ou a companhia. Ainda se tiravam fotografias nas escadas de acesso aos aparelhos...
Não adianta pensar em como tudo mudou. Para mim, adianta apenas pensar nesta ideia meridiana: no tempo do anúncio, como hoje, partir era um belo verbo.
Partir daqui para fora. Partir a loiça. Partir. Tão bom sempre que se pode. Eu partia já – mas lá está: o que fazia a tudo o que fica, como este anuncio e esta revista?