O que falta
“De hernani a 21 de Abril de 2008 às 18:46
boa tarde pedro , ou, boa tarde sr pedro , só gostava de saber a sua opinião sobre a monocle '...”
Hernâni: a Monocle era o modelo de revista que eu sonhava um dia fazer em Portugal – tal como a Vanity Fair, numa fórmula adaptada, recriada e criativa.
A Monocle, fundada e dirigida por Tyler Brulé - que criou a Wallpaper, para que conste... – é a mais criativa e inteligente revista dos tempos que correm. Ela responde à curiosidade ínfima e irrelevante do ser humano – mas também à mais profunda e consistente convocatória sobre a vida no nosso Planeta. Ela é, a um tempo, ligeiramente frívola num fait-divers , e profunda quando percebemos que esse fait-divers pode revelar uma tendência promissora. É bipolar, como a vida se descobre neste século: permanentemente entre a paz e a guerra, entre o sim e o não, entre a dúvida e o crédito.
A Monocle «respira» jornalismo: pensa, descobre, pensa outra vez, investiga, pensa outra vez, reporta, pensa mais uma vez, explica e perspectiva – e no fim, ainda dá ideias. A reflexão sistemática que faz sobre a qualidade da vida urbana é notável, e vai do ranking sobre as melhores cidades para viver (concebido de uma forma inteligente e reflectida, longe daqueles estudos feitos a régua e esquadro nas empresas de sondagens), até à reflexão sobre as «marcas» que os países podem constituir (longe também das balelas dos «especialistas» do costume). Não falando da forma original como aborda o mundo económico e empresarial, a moda, a cultura. É a revista (que conheço...) que melhor trata os factos – e aqui tratar significa pensar, traduzir, relativizar, relacionar. Ou seja: acrescentar-lhes algo. Jornalismo, portanto.
Dito isto, perguntaria o Hernâni: por que raio Portugal não tem uma Monocle, ou sequer uma Vanity Fair ?
Respondo: não tem porque os consumidores não querem, porque os empresários não acreditam, e porque os anunciantes não confiam. Esta cadeia de «nãos», que junta os consumidores, os empresários e os anunciantes, será quebrada quando uma das partes abrir a janela. Os consumidores abrem a janela todos os dias, mas só compram se houver um DVD oferecido ou um saco ou um chapéu – ora, como o mercado os alimenta, está criado o imparável ciclo vicioso. Está por saber se o consumidor tem este comportamento porque vive viciado na “borla”, ou se a isso se junta, na verdade, o facto de não apreciar suficientemente os produtos que estão nas bancas...
Restam então os outros dois elos da cadeia. Quando os anunciantes e os empresários forem ousados, inteligentes e criativos, talvez o mercado possa mudar. Mas, lá está o mas... Se este negócio não é mais do que uma fábrica de salsichas a que se junta uma cenoura oferecida sob a forma de DVD, é difícil inverter o ciclo.
Estamos no mundo da pescadinha de rabo na boca: empresários e anunciantes não arriscam, porque os consumidores se comportam de forma padronizada. Como os consumidores não têm oferta para lá do óbvio, nunca saberemos como reagiriam a novos conceitos e produtos.
Chegámos a um ponto em que a solução passa pela loucura.
Loucura é isto: quando alguém se chegar à frente, ousar fazer, ousar arriscar, ousar romper o ciclo criado – e quando esse alguém vencer, atrás dele virá um novo tempo de criatividade e esperança. Foi assim, em 1988, com “O Independente” (num tempo em que fazer um novo jornal era “suicida”, está escrito...), e atrás dele nasceram muitos outros projectos não-formatados desses anos, da K à Icon , do Já à Fortuna. Falta ousadia, convicção e coragem na imprensa. E falta acreditar.
Como a imprensa é sempre o reflexo do país onde está, é fácil perceber em que patamar está o país...