Há dias gravei uma conversa com a Laurinda Alves para o programa da Antena 1, que passou ontem de manhã no rádio. Conhecemo-nos há muitos anos, partilhámos alguns momentos bons da vida (por exemplo, o raid de jornalistas em Marrocos organizado pelo MST), e cruzámo-nos aqui e ali profissionalmente. Entre nós ficou algo a meio caminho entre o respeito e a amizade, e a sensação de que, em rumos muitas vezes divergentes ou mesmo opostos, temos percursos e saberes semelhantes. Curiosamente, neste encontro profissional verificámos isso mesmo, quando de repente estávamos a perguntar um ao outro pormenores, lógicas e até questões técnicas sobre os blogs de cada um...
Depois, de microfone fechado, demos connosco a interrogarmo-nos sobre a pulsão que leva algumas pessoas, de vez em quando, a insultarem-se e ofenderem-se de forma gratuita no mundo dos blogues...
Ambos somos vítimas, pontualmente, desses ódios exacerbados, de qualquer coisa violentíssima que parece ser vingança, ou ressabiamento, ou ambos. O problema não está no insulto em si, que faz parte da vida no engarrafamento automóvel, entre colegas de escola, ou num momento mais aceso de uma discussão – está na lógica de confronto sem causa aparente. Uma espécie de “agarra-me senão eu vou-me a ele - e não é que vou mesmo?”. Aqui ninguém agarra quem quer que seja, no que constitui valor acrescentado da rede – mas também por isso, tudo se revela de forma mais crua e despida de qualquer lógica, nexo, enquadramento.
Na semana que passou a Laurinda foi alvo de um desses posts sem tom nem som, feitos de insulto descabido e consecutivo, como se a sua existência incomodasse a existência de outro. Não se tratava de crítica nem de argumentação, nem sequer de uma apreciação de carácter profissional. Era só insulto. E ficámos os dois a pensar no absurdo da coisa. Sem conclusões maiores do que esta: poupa-se muito dinheiro no psicanalista e na farmácia depois de usar a rede, e quem nela abre chafarica, como saco de boxe. Isso é incontornável – e se for por essa boa causa, que venha o insulto, sempre sentimos que somos úteis a quem está doente. Desconfio, no entanto, e sinceramente, que um post assim, vindo do nada e para nada servindo, não amenize o eventualmente sofrimento do seu autor para com a vida. Ou seja, se calhar nem serve para substituir a consulta psicoterapêutica e cumprir a missão “saco de boxe” do dia...
Nesse enquadramento, consigo perceber melhor um tiroteio na Quinta da Fonte. Tem razões objectivas. Tem uma finalidade. Tem um antes e um depois. E tem também um enquadramento jurídico. A vantagem da rede é que a sua liberdade, sendo caótica e vagamente enlouquecida, não faz mal a ninguém – e o mesmo não se pode dizer da segurança que ao Estado cumpre garantir-nos na Quinta da Fonte ou no Palácio de São Bento. Mas isto já sou eu a divagar...
... Bom, a conversa com a Laurinda foi muito boa. E uma vez mais reencontrei-me com esta ideia, que a nossa relação de alguma forma demonstra: o que nos aproxima ou nos afasta, não é tanto o que pensamos – mas antes o modo como pensamos. No fundo, não é tanto o que vivemos – mas o nosso modo de viver.
Voltemos à capa da Rolling Stone (a propósito: o texto da entrevista foi publicado esta semana em Portugal pela “Sábado” ). Pode ser “patético” o meu entusiasmo por este momento, pode ser esquisito ver naquela capa um manual de design. Ainda assim, eu insisto. Ou talvez por causa disso...
A “Rolling Stone” foi uma das mais influentes revistas na cultura pop norte-americana - e por essa via, também na Europa... -, nas décadas de 60 e 70. Mantém hoje, mesmo depois de uma década de 90 menos vibrante, uma vitalidade e um dinamismo incomuns, tanto mais que insiste numa fórmula híbrida entre a actualidade politica & social e a música pop – fórmula que, à luz dos interesses que se detectam nos consumidores de imprensa (maior especialização, revistas muito focadas em temáticas próprias), estaria em perda.
Pode estar. Mas a “RS” continua a ser uma referência e um ícone, e não são indiferentes as suas opções editoriais. Nas suas páginas há frequentemente espaço para o jornalismo de investigação, cada vez mais raro no mundo da comunicação, para a reportagem, e continuam a ser de luxo os nomes que assinam na revista. Ainda há poucos anos P. J. O’Rourke era um dos seus “editor at large”, espécie de “quando me dá na bolha, faço uma reportagem genial”...
Ora, a escolha de Obama para capa de uma edição, com a respectiva entrevista do editor Jann Wenner, segue a normalidade da agenda regular da “casa”. Até aí tudo bem. O que é fora do comum, raro, e por isso releva para o design a partir de uma opção editorial, é a capa não ter uma única palavra, titulo ou texto, para lá do logótipo. Dei-me ao trabalho de consultar livros com as capas da revista desde 1967, e só encontrei semelhante atitude na famosíssima capa com Yoko Ono e John Lennon (que aqui reproduzo). Mesmo nesse caso, o logótipo “Rolling Stone” sobrepõe-se à fotografia, coisa que desta vez, com o candidato americano, não sucede.
Ou seja: face à feliz expressão de Obama, à sua pose a um tempo divertida e politicamente correcta, ao emblema na lapela, a toda um construção que nos oferece um líder nato, porém próximo, um vencedor sem arrogância, um homem que a foto revela não ter nada a esconder, a revista dá-lhe toda a relevância que pode. Manifesta assim o seu apoio politico e “cala-se” perante a força da imagem do candidato: limpa da capa títulos, outros destaques e chamadas, qualquer espécie de poluição visual, e até o logótipo é discretamente remetido para “os fundos” da página. Como se nada mais interessasse, como se tudo o mais que a revista publica nesta edição fosse dispensável...
Quando o design serve uma causa e se reduz à expressão mais simples, que pode mesmo ser a sua aparente inexistência, estamos próximos da genialidade. Dá muito trabalho chegar a esta patamar de simplicidade e eficácia.
Era isso que eu queria dizer.
PS - Deixo-vos abaixo mais algumas capas da “RS” no seu registo normal, para compor o ramalhete e se poder ver a diferença...
Pensava então contribuir para o debate do Estado da Nação com a revelação de alguns dados micro-económicos sobre a minha vida financeira e o enfraquecimento que tem sofrido consecutiva e empenhadamente nos últimos anos. Seria um post deprimente e triste, e retiraria parte do “glamour” subjacente ao blog – o que poderia ainda criar-me problemas no futuro, quando eu viver exclusivamente das receitas desta página e ficar milionário como qualquer blogger que se preze. Por isso não convinha.
Ora, nem por acaso, esbarrei com esta edição da norte-americana “Rolling Stone”, onde o editor/publisher de sempre, Jann S. Wenner, tem 50 minutos de entrevista com Obama e revela o gosto do candidato por Bob Dylan, Bruce Springsteen, Stevie Wonder, Rolling Stones, entre outras unanimidades. A capa da revista é um monumento sobre o jornalismo empenhado e militante. Mas é também um manual de fotografia e design.
No final, Wenner remata a entrevista com esta declaração: “Good luck. We are following you daily with great hope and admiration”.
Pois. Desisti de escrever hoje sobre o Estado da Nação e continuei a ler boas revistas vindas de mundos distantes.
Desse projecto faz parte não adquirir diariamente todos os jornais e revistas que são publicados em Portugal, além de um generoso conjunto de revistas estrangeiras e um ou outro diário europeu. Sempre fui um comprador compulsivo de imprensa – mas talvez tenha chegado o momento de vencer mais esse hábito, e premiar apenas os produtos que merecem o “preço justo”.
Dado tratar-se de um vício, a gestão desta privação (ditada pelo tempo dedicado à leitura em papel, pelo dinheiro gasto e pela tentativa de comprar apenas o que me faz falta e dá prazer ter e ler...) tem sido feito lentamente, dia a dia, “cada dia é mais um dia”.
Ontem, pela primeira vez em muitos anos, não precisei de uma nota para pagar as compras de imprensa. Bastaram-me duas moedas. Quando fiz o balanço do dia, senti-me melhor informado. Porque li com maior atenção os jornais que comprei e informei-me com dedicação na Net, na TV e na rádio.
Os jornais diários (pagos) ainda não perceberam o que lhe está a acontecer. Falta-lhes tempo para pensar. Mas esse mesmo tempo, no entanto, avança inexoravelmente. Não me parece que haja milagres.
PS – ...Entretanto, os relatórios da APCT, que controla a tiragem e venda de imprensa, revelam um mundo maravilhoso de sucesso e florescimento. Há crise em todo o lado, excepto nas notícias dos jornais sobre as suas próprias vendas.
Concordo com Maria João Pires quando escreveu que «a “blogosfera” também serve para armazém e recuperador de memórias». Por isso, fiz “copy-paste” da crónica de Miguel Esteves Cardoso que Maria João recuperou ontem no blog 5 Dias. Ao fazê-lo, estou a ampliar e “espalhar” um texto notável, estou a pôr-me humildemente ao lado das suas palavras, mas acima de tudo penso na razão que, 20 anos depois, o Miguel continua a ter:
“Onde será o próximo incêndio? Em que bairro, em que cidade, com que consequências? Uma catástrofe é mais violenta quando se compreende que se poderia prever e que se poderá repetir. Quem viu o Chiado a arder viu também arder, na sua imaginação incrédula, Lisboa inteira.
Há um fogo português - fogo da incúria, da incompetência, da incompreensão - que arde sem se ver. Está a arder agora. E continuará a arder mesmo depois de ter sido apagada a última chama nas ruas da Baixa. À parte um ou outro espírito avisado (e avisador) que inevitavelmente passa por maluco ou maçador, todos temos culpa nesse fogo. E quanto mais culpa mais pena. É essa a tragédia portuguesa.
Deve chorar-se o que se perdeu e nunca mais se terá. Mas deve dar-se às lágrimas um sentido. O sentido certo é o da raiva. O sentido certo é uma determinação de não deixar acontecer desastres destes outra vez. É claro que se deve reparar, indemnizar, reconstruir. Temos, felizmente, um exemplo para nos guiar - a gloriosa reacção ao terramoto de Ponta Delgada.
Mas a reconstrução é uma gota do que se tem para fazer. Ficando por aí estaremos apenas a tapar mais um buraco. É coisa para que sempre tivemos apetência e jeito. Não nos podemos satisfazer com isso. Isso equivaleria a esperar pelo próximo incêndio. E quem espera um desastre quase que o merece.
Quando o presidente da Câmara de Lisboa, com uma grandiloquência deslocada e copiada, disse «A vida continua», apetece responder que aí está, precisamente o mal. A grande catástrofe é continuar como continuamos, sem cuidar das nossas coisas, das coisas que temos presentes, sem temer por elas, sem precavê-las contra o tempo e os homens, amando-as simplesmente. O amor é muito bonito mas não chega para nada. Só serve para chorarmos mais quando as coisas que amávamos se destroem ou desaparecem.
O espírito da nossa idade - de que a Câmara de Lisboa é aprendiz de representante - é desenvolvimentista e moderno, por um lado, e museológico e retrógrado, por outro. A novidade-só-pela-novidade é venerada, de um lado, e a velharia, debaixo da vitrina, devidamente conservada, por outro. Ambas estão devidamente protegidas do fogo. O espírito da nossa idade só não liga àquilo que realmente importa - ao património vivo, à verdadeira cultura que está presente.
Os dois instintos basbaques - de adoração da relíquia e do “gadget” - consolam-se e completam-se no mais pacóvio dos provincianismos. E assim se esquece o presente, as casas onde as pessoas vivas moram e trabalham, a cidade viva que precisa de ser mais estimulada e protegida.
O sentido das lágrimas só pode ser prático e preventivo, por um lado, ético e cultural, pelo outro. A passividade é um pouco como a palha do fogo posto. Convida à faísca. O esforço tem de ser nacional. Não é hora para criar divisões, atribuindo culpas com rancor ou leviandade. Há uma atitude, profundamente enraizada na nossa cultura, que é preciso mudar. Mais trágico que qualquer flagelo é o modo como aceitamos as tragédias. Como se fossem naturais.
Quando não são. Apagar fogos e reconstruir é muito mais fácil. É essa, afinal, a catástrofe”.
A crónica do Miguel chamava-se “O fogo que arde sem se ver”, foi publicada n’O Independente na edição especial dedicada ao incêndio do Chiado. Eu era, à época, jornalista do Indy e também colaborei nesse número especial.
Quem viveu o drama da noite em que o Chiado ardeu (eu vivi, era jornalista do novíssimo semanário “O Independente”...), sabe que um incêndio na baixa de Lisboa é pólvora pura e merece alarme imediato. Há algumas horas que arde um prédio na Avenida da Liberdade, junto ao Elevador da Glória. Só a RTP-N garante reportagem, agora, perto da uma da manhã, em directo. A SIC –Noticias transmite um magazine imobiliário, e os canais abertos não mexem nos seus programas. Sapo e todos os jornais de Lisboa – DN, Público, Correio da Manhã – ignoram o que se passa na Avenida.
Espero que tenham razão e seja a RTP-N a exagerar.
Leio no “Correio da Manhã”: “A Águas de Portugal gastou perto de cinco milhões de euros em carros para os administradores e funcionários e prémios sem qualquer relação com o desempenho. O que só agravou a situação deficitária do grupo que, entre 2004 e 2005, registou 75,5 milhões de euros negativos”. O Tribunal de Contas foi implacável com a empresa, mas até agora – mesmo depois das notícias nos jornais - não aconteceu nada. O Governo tem mais que fazer.
Houve então uns senhores que aprovaram os 2,5 milhões de euros gastos em viaturas para a administração (isto é, para eles próprios...) e alguns trabalhadores, e os 2,3 milhões de euros gastos em prémios e incentivos numa empresa deficitária (prémios que também receberam). Numa empresa privada, problema deles, dos accionistas e das Finanças. Sucede que a Águas de Portugal é detida pela Parpública, a Direcção Geral do Tesouro e a Caixa Geral de Depósitos – ou seja, é uma empresa do Estado, o que significa que os resultados negativos de milhões de euros acumulados nos últimos anos serão pagos por mim, por si, e por todos. E as benesses daqueles senhores também.
Para que conste, os responsáveis por mais este escândalo nacional, que certamente passará sem responsabilidades assumidas nem penalizações exemplares, são os seguintes:
Pedro Eduardo Passos da Cunha Serra (Presidente)
Justino Manuel Matias Carlos
António Manuel da Silva Branco
João Manuel Lopes Fidalgo
José Maria Martins Soares
Francisco Manuel Marques Bandeira (representante da CGD)
João Manuel de Castro Plácido Pires (representante da Parpública)
Dos Orgãos Sociais da empresa fazem ainda parte os membros da Mesa da Assembleia-Geral (Ana Cristina de Menezes Pereira Paes Sequeira Rodrigues, Maria Fernanda Joanaz Martins, Manuel Bruno Rossi Ruano Gouveia Pereira), do Conselho Fiscal (José Clemente Gomes, Pedro António Martins Mendes, Célia Maria Marques Rocha Lino, Graça Maria V.N. Montalvão Fernandes), e a secretária da Sociedade, Ana Cristina Rebelo Pereira.
Talvez alguns deles abandonem a Águas de Portugal depois das noticias que por aí circulam. Nada de cuidado acontecerá à maioria. Voltaremos a ver os seus nomes aqui mesmo, na Águas de Portugal, noutras empresas do Estado, ligadas ao Estado, ou desesperadamente dependentes do Estado.
Ok, eu sei que há crise – mas antes da crise já havia este país. O que mete água até mesmo quando o assunto é literal.
Manuela Ferreira Leite continua zangada connosco (connosco é mesmo com todos nós, os portugueses) porque gostamos de ver novelas, somos sensíveis a fenómenos que os estudiosos do marketing e da comunicação já perceberam há décadas, achamos graça a uma certa teatralização da vida, e não gostamos que nos tratem como atrasados mentais. Lá está, mas votamos...
Por isso decidi ver também a entrevista na RTP com José Sócrates. E gostei de ouvir o primeiro-ministro. É uma máquina infernal, demolidora de jornalistas, analistas, críticos, e até de pessoas ainda mais zangadas do que ele, como Manuela Ferreira Leite. Tudo o que ele diz desperta em nós optimismo e confiança.
Só que, depois da entrevista, voltei para a minha mesa de trabalho, fui ao banco pela net, fiz contas à vida, pensei outra vez no futuro. Acordei, portanto.
Acho que não vivo no mesmo mundo de José Sócrates. Ou ele no meu.
... Canta Mariza em Terra, indiscutivelmente o seu melhor momento, canções abertas ao mundo, daqui a África, ao Brasil, e de volta aqui. Não é preciso gostar de fado para ser conquistado por esta voz, esta alma, esta entrega, este talento.
Da voz “em bruto” que já conhecíamos sai agora o diamante pronto e acabado. “Mais longe do que eu”. Mais longe do que Mariza, só mesmo Mariza, ela própria.
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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