Comecemos pelo óbvio: eu ri com os dois gozos consecutivos do Gato Fedorento sobre o computador Magalhães. As imagens do computador como torradeira, ou pega para quem vai de pé no metropolitano, são notáveis, Acredito, aliás, que o “Zé Carlos” pode vir a ter um sucessor com esse nome, a “Série Magalhães”...
Também concordo que o melhor palco para a produção do computador não é seguramente uma empresa a braços com problemas judiciais/fiscais. E sem contrato, parece. E numa operação que vendeu a ideia de um computador português que afinal é tudo menos português. A coisa não correu bem do ponto de vista da comunicação, que é quem mais ordena nos dias que correm. Mas isso é a velha conversa sobre a real competência das empresas de comunicação. Fica para outro post, daqui a muito tempo...
Gostava agora de ver o outro lado. Melhor dito: gostava que os jornalistas, analistas, editores, para quem um portátil sofisticado e banda larga móvel integram a mobília caseira, fizessem o exercício contrário e se colocassem no lugar dos muitos milhares de famílias para quem a vida pode ter começado a mudar no dia em que entrou em casa um computador, internet, e tudo o que isso pode significar.
O paralelo que faço é apenas este: se não tivesse nascido uma plataforma chamada “blog”, a nossa imprensa, rádio e televisão seriam hoje bem mais pobres, com os nomes e as caras do costume, enquanto um generoso numero de talentos andaria pelos cafés, pelas universidades e lá por fora a tentar rentabilizar o seu conhecimento e sabedoria. A oportunidade que o meio blog constituiu para a nova geração de jornalistas, comentadores, opinion makers, é algo de extraordinário – que não tem precedente nem no tempo glorioso de “O Independente”.
Pois bem, chamem-me romântico, como diria o Nuno Miguel Guedes, mas acredito que a chegada de um “Magalhães” às mãos de dezenas de milhares de crianças deste país terá algum paralelo com o advento da blogoesfera: fará com que, daqui a alguns anos, possamos ter mais talento, melhor talento, uma população mais informada, mais atenta e melhor formada. Faz mais pelo futuro da Nação do que muitos cursos superiores privados irrelevantes. E aproxima ricos e pobres de um mesmo patamar de civilização – hoje básico, porém ainda inacessível a demasiada gente.
Eu rio com os gozos e as piadas – mas não consigo deixar de aplaudir a atitude, o esforço, a ideia e o caminho. Agrada-me saber que há instrumentos disponíveis, até para quem de todo não quer tocar a guitarra. E mesmo que, pelo caminho, muitas “gaijas” tenham sido “visualizadas” – o que, convenhamos, até me parece bastante importante para a formação de uma cultura estética com menos pêlos, menos celulite, e dentes mais brancos...
Ando com esta frase junto ao coração há muitos anos, e sempre que me encontro com a sua prova real penso que ela deve ser dita e repetida, ensinada, transmitida.
Foi o que me aconteceu agora, ao ler a entrevista do Tim (no “Actual” do Expresso). O “Tim dos Xutos”. Uma entrevista comum, normal, curricular – mas onde se nota e sublinha o valor da humildade, a ideia de passagem, o lado transitório de tudo. E de nada.
Mas eu sinto esta ideia - o traço comum do talento é a humildade – quando recordo Dinis Machado, quando oiço a entrevista de Carlos Vaz Marques a Miguel Esteves Cardoso, quando leio as palavras de Pedro Norton a Anabela Mota Ribeiro, quando converso com o Carlos Quevedo, quando sigo as crónicas de Vasco Pulido Valente e recordo os tempos em que fui “seu” editor e me confrontei com o que está para lá das aparências. Há uma recorrência exemplar neste caminho: sempre que reconheço muito talento, ele mostra-me que é humilde e não se leva demasiado a sério...
Às vezes leio as entrevistas de alguns cromos da nossa vida mediática a quem, certamente por engano, ensinaram que a arrogância e a presunção eram caminhos certos para a credibilidade. Como quem diz: se gritares bem alto que és o maior, alguém vai acreditar e vais ter a oportunidade que queres.
Ora, o que a vida me tem ensinado é diferente: o traço comum do talento é a humildade. Muito humor. E uma razoável desconfiança sobre a seriedade da existência.
Nem sempre tal estrada leva à felicidade – mas como sucede com o dinheiro, ajuda muito.
Ministros, oposições, economistas, analistas, palpitadeiros, todos têm uma palavrinha a dizer sobre a crise. Tentam minimizar os danos e aplacar o pânico. Evitam o desespero e o desatino dos investidores, dos clientes dos bancos, dos accionistas das empresas, dos pequenos e médios aforradores. Eu até já vi a Deco dar conselhos sobre o dinheiro depositado nos bancos...
Deixem-me, no entanto, que manifeste estranheza sobre este ponto: até hoje, o “meu” banco – e entretanto dei-me ao trabalho de espreitar os sites dos bancos concorrentes, e encontrei o mesmo cenário... – não entendeu ser necessário dar-me uma palavra sobre a sua condição.
O mesmo banco que me escreve regularmente a exibir uma performance notável e nesse sentido sugerir aplicações de toda a espécie, o mesmo banco que tem um gestor “particular” ao meu alcance, o mesmo banco que se promove e publicita por cada “produto” que inventa, o mesmo banco que me procura por tudo e por nada – agora, que eu esperava dele a palavra de “conforto” que me permitia manter tranquilamente a minha conta corrente, mantém-se calado e distante como se nada se passasse.
Eu não sei com que raio de empresas de comunicação o “meu” banco anda metido – mas a desconfiança sobre o estado do banco onde deposito mensalmente o que ganho cresce à medida que os dias passam e ele não acha que me deve passar, pelo menos, uma palavra de confiança. Pior: eu leio jornais todos os dias, e ainda não ouvi ninguém do “meu” banco dizer publicamente o que quer que seja. Temo o pior.
É verdade que o “meu” banco nunca disse que eu era “dono” dele – mas também nunca deixou de me fazer sentir que sem ele eu era um zero á esquerda...
Deve ser politicamente incorrecto dizê-lo, nestes tempos de ERC, mas cá vai: a remodelação da RTP-N (gráfica, estética, e de conteúdos) tornou-a mais dinâmica, viva, e moderna. Entrou na idade adulta e é cada vez mais uma referência na informação televisiva. As sinergias com a casa-mãe são bem sucedidas, há ideias próprias que lhe dão notoriedade, e a aposta numa noite informativa forte parece-me a cereja em cima do bolo. Como espectador, aprovo. Como profissional, recomendo.
... E espero que a mudança constitua também um desafio à SIC-Notícias, que sem perder qualidades (e audiência...), anda um pouco adormecida à sombra do seu próprio sucesso.
Em Julho passado, José Sócrates encerrava o congresso da Juventude Socialista afirmando o seu crédito “num país sem preconceitos, confiante em si próprio, jovem e ambicioso”, liderado por ele num “governo que se orienta por valores progressistas e que recusa todas as visões do passado, retrógradas e baseadas em visões conservadoras”.
Agora eu diria, então, “é a política, estúpido!” – se quisesse mesmo dizer qualquer coisinha sobre a hipocrisia que domina o debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Hipocrisia do Governo, que achou relevante e sensato mudar a lei da interrupção voluntária da gravidez, da procriação geneticamente assistida e mesmo a do casamento – mas já considera despropositada e desajustada a mudança da legislação sobre os casamentos homossexuais.
Hipocrisia do Bloco de Esquerda, que propõe agora este debate não porque entenda que é o momento certo, mas porque lhe dá jeito, politicamente, marcar posição à esquerda e tirar dali dividendos eleitorais. Teve quatro anos para o fazer, mas manteve o silêncio prudente de quem quer negociar (até) a ideologia.
Hipocrisia do PSD, porque percebe que a guerrilha vem da esquerda e pode dar-se ao luxo de mostrar alguma abertura ao debate e a vaga ideia de um referendo. Danos, só colaterais...
À esquerda e à direita, todos estão a usar esta arma de arremesso em proveito próprio, a pensar em 2009 e na vaga de eleições que aí vem. Ou seja, todos se estão nas tintas para os direitos dos homossexuais. Querem marcar posição no tabuleiro dos votos, e ganhar vantagem nos temas que podem, efectivamente, marcar a diferença.
Volto de um fim-de-semana de paz e amigos, estou a passar os olhos pelos jornais que me escaparam, e apanho no Jornal de Notícias um texto de uma estudante de jornalismo da Universidade de Coimbra, Martha Mendes, onde leio:
“Um dia, um amigo perguntou-me porque é que eu só assinava os meus livros depois de os ler. Ele achava que o normal era assiná-los aquando da compra. Na altura, achei que ele até tinha razão, mas continuei a assiná-los só depois de os ler. Hoje acho que sei porquê. É que um livro só é meu quando chego ao último ponto final”.
Gostei da ideia. Gostei especialmente de ser surpreendido com uma ideia inesperada num jornal.
Há uns anos, quando li pela primeira vez a ideia do «momento decisivo» de Henri Cartier-Bresson, escrevi uma crónica sobre o silêncio. Melhor: sobre um instante único, mágico, revelador, que tinha vivido num final de tarde. Esse instante, que durou segundos, aconteceu quando, num vale aberto e amplo onde pastavam vacas, havia crianças a correr, adultos a conversar, e ao longe ouvia-se o ruído surdo do trânsito numa estrada, subitamente, sem que fosse combinado ou pedido, sem aviso nem razão, se fez silêncio absoluto. A coincidência foi brutal: por momentos, as crianças calaram-se, bem como os adultos, os badalos das vacas silenciaram-se, os pássaros, os carros, as motos, aquele zumbido dos insectos que sempre persiste, tudo, rigorosamente tudo ficou em silêncio. Eu «ouvi» aquele silêncio esmagador e senti uma paz e uma tranquilidade únicas. E lembrei-me dessa expressão que tinha lido meses antes - «momento decisivo». Daí para a frente passou a fazer parte dos meus dias. Pelo menos, daqueles dias em que sinto que há um instante que se fixa, que fica retido na memória ou no olhar, um instante que se destaca, que se «desprende» do tempo e, como uma fotografia, exactamente como uma imagem, fica impresso no estranho caderno das memórias soltas que todos arrastamos pela vida.
O MOMENTO DECISIVO (II)
Revejo agora dezenas de fotografias de Cartier-Bresson. Muitas já conhecia, outras são «novas» para mim. Durante uma noite e uma manhã, escolho esta e aquela, apago outra, retomo uma que tinha deixado para trás porque entretanto lhe «senti» sequência com mais aquela que entretanto seleccionara. Por todas estas fotografias passa esse «momento decisivo»: o fotógrafo regista, destaca da realidade aquele bocado de tempo, mas ao fazê-lo tem a «delicadeza» de não interferir, de não se imiscuir, de nem sequer se aproximar. Ele regista quadros, como um coleccionador de selos junta cuidadosamente as estampilhas. Ele procura que cada imagem seja «praticamente» o olhar, o que os olhos vêem, o que ali «está». As suas fotografias não «são», «estão». A eternidade que lhes damos apenas reforça a condição frágil do «momento decisivo».
O MOMENTO DECISIVO (III)
Parecem tão fáceis, estas fotografias – mas nunca antes nem depois alguém as conseguiu como ele as conseguiu. Nesse «pequena» nuance está a distância que vai do talento ao génio. Parecem tão frágeis, estas fotografias – mas estranhamente, sentimos nelas uma força extraordinária, intensa, sólida como uma rocha.
O MOMENTO DECISIVO (IV)
Aprendemos na escola: todas as imagens têm um ângulo, um autor, uma abordagem – e nessas circunstâncias, todas as imagens reflectem uma ideia, ou uma ideologia, uma forma de pensar que «escorrega» para a forma de ver. É óbvio. Mas não é necessariamente por essa via que se «descobre» o pensamento de Cartier-Bresson. As suas escolhas são «empenhadas», mas não são asfixiadas pelo pensamento; são políticas, mas não são militantes; são opinativas, mas não são fundamentalistas. Gosta do Homem mas desconfia seriamente da sociedade. Esse amor e essa desconfiança estão lá, no seu olhar passado a papel fotográfico. Esse amor e essa desconfiança, aliados à capacidade humilde de se surpreender, fazem parte do segredo do génio. E por mais humilde que tentasse ser em relação ao seu «pequeno metier», Cartier-Bresson sabia bem o que o distinguia. Sabia bem o que valia o seu olhar.
O MOMENTO DECISIVO (V)
O que vale um olhar? O que vale uma fotografia? O que vale uma imagem? Aferir esse valor neste universo obriga a deixar de lado os autores, os criadores, os fotógrafos, e percorrer meticulosamente o longo caminho que trouxe a imprensa ao que ela é hoje. De um tempo em que a imagem era desvalorizada ao ponto de servir basicamente para «tapar os buracos» deixados pelo texto, ao tempo em que é hipervalorizada e finalmente reconhecida, em simultâneo, como arte e informação. A fotografia na imprensa atravessou um penoso deserto, felizmente quebrado por oásis como a «Life», nos Estados Unidos da América, a «Manchete», no Brasil, ou a primeira fase da «Paris Match» francesa. Foram revistas como essas, conceitos de imagem como o que lhes estavam subjacentes, que permitiram que o trabalho de nomes como Cartier-Bresson ganhasse efectivo valor. Ou seja, tivesse do talento e do génio o reflexo público e a exposição respeitável que lhes correspondia. Na esmagadora maioria dos jornais e revistas da segunda metade do séxulo XX, a imagem correspondia ao «intervalo» do cinema: uma pausa no texto, para «aliviar». Tudo mudou nas últimas duas décadas. Felizmente, tudo mudou.
O MOMENTO DECISIVO (VI)
Nasci nesta profissão num tempo em que às fotografias se chamavam «bonecos» ou «chapas». Mais do que um tratamento depreciativo, era uma forma de mostrar a irrelevância que significavam para os editores de então. Qualquer um podia ser fotógrafo, e o preto e branco era uma condição – obviamente odiada – e nunca uma escolha. Em Portugal, depois das experiências vagamente bem sucedidas das revistas «Flama» e «Século Ilustrado» - que pelas inovações tecnológicas do off-set e da cor foram forçadas, sem grandes conhecimentos ou profissionalismo, a uma atenção especial à fotografia -, a imprensa teve sempre uma generosa falta de respeito pela fotografia. Os bons fotógrafos saíram de Portugal, ou dedicaram-se exclusivamente à fotografia artística. Felizmente, um dia nasceu um jornal chamado «O Independente», e depois dele uma revista chamada «Capa». Aos dois títulos devemos o respeito que hoje, apesar de tudo, a imagem merece na imprensa. Aos dois títulos devemos a emergência de uma geração de profissionais de fotografia absolutamente nova, de excelência, e cujo olhar pôde ser desenvolvido livremente, respeitado e admirado.
Para voltar à questão anterior: qual é o valor de uma imagem? Pode ser, para os puristas e as elites, o valor intrínseco que tem. Para mim, o valor só é efectivamente «contado» no momento em que uma imagem é alcançada por muita, potencialmente por toda a gente. Cartier-Bresson teve a felicidade de, em vida, poder testemunhar o crescimento das suas fotografias para lá do seu pequeno mundo – e foi consagrado no dia em que imagens de sua autoria deixaram de existir por ele, para passarem a viver por «conta própria», como ícones, como símbolos, como bocados de História.
O MOMENTO DECISIVO (VII)
Quando o DNA nasceu, entre muitos princípios e intenções, entre muitos sonhos e projectos, houve uma ideia firme, fixa e inquebrável. Ousada, apenas por ser incomum no nosso mercado. Óbvia, para quem entende o jornalismo como a soma de tudo o que integra uma publicação, publicidade incluída. Essa ideia era esta: palavra e imagem têm rigorosamente o mesmo valor. Nem uma imagem vale por mil palavra, nem mil palavras valem por uma imagem. O espaço deve ser ocupado pelo que «diz» mais, pelo que comunica melhor, pelo que traduz mais exactamente o que temos para contar. Se um conjunto de imagens diz tudo o que, escrevendo, talvez nem conseguíssemos dizer, então esse conjunto faz uma edição inteira, como já sucedeu. Se um texto é exemplar e não carece de «ilustração», faça-se do texto o rei e senhor. Se a conjugação é possível, por aí vamos. Este «ideal» tem sido cumprido, semana a semana, ao longo destas mais de 400 semanas. É talvez o nosso maior orgulho, a nossa coerência mais profunda. E o sinal mais explícito do que nos move, do que nos entusiasma, do que mexe diariamente com estas páginas: o amor ao papel impresso. Quando realmente se ama profundamente, dá-se tudo sem esperar pelo «troco». Eu dou. Nós damos.
Texto editado a partir do original, publicado em Agosto de 2004 no Suplemento DNA do jornal Diário de Notícias.
Leio no Expresso online: “No relatório intercalar de avaliação do pluralismo político-partidário divulgado esta semana, a ERC diz que a RTP deve "promover uma representação mais plural de forças e sensibilidades político-partidárias". (...) A direcção da RTP já decidira diminuir, depois de sucessivas insistências da ERC, o tempo de antena de Marcelo para o equilibrar com o do socialista António Vitorino. Segundo o Expresso apurou, em preparação estará uma nova grelha de comentário político que deverá dar espaço aos outros partidos durante o ano eleitoral que aí vem. O professor, cujo comentário dominical na televisão pública foi reduzido no regresso de férias em 15 minutos - passou dos 35 habituais para 20 minutos, para ficar mais equilibrado com os 15/20 que Vitorino ocupa à segunda-feira -, acha bizarro associarem-no a uma mera voz do PSD”.
Ora bem: depois de mais este momento ASAE da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação), sugiro que a RTP tome medidas profundas no sentido da poupança dos custos com pessoal. É que começam a não fazer falta na casa directores de informação, editores, chefes de redacção. Basta um elemento designado pela ERC, munido de um cronómetro, e o jornalismo da estação pública tornar-se-á impoluto, isento e livre. Com tempos marcados para cada partido, cada instituição, talvez mesmo uma distribuição equitativa e justa do tempo dedicado ao crime em função da sua representatividade no espectro nacional...
Bizarra não é a peregrina ideia de ver Marcelo como um “representante” do PSD – para mim, o seu valor acrescentado é a capacidade de expressão, a inteligência, a cultura e o raciocínio que exibe semanalmente -, bizarra mesmo é a existência da ERC...
PS - A subversão de todos os valores que identificam e marcam o jornalismo – trabalho editorial, escolha, hierarquia da informação -, é levado ao extremo por esta Entidade, que quer transformar os espaços jornalísticos da RTP numa versão pós-moderna dos Tempos de Antena. Triste sina, a do jornalismo televisivo nos dias que correm: voltar àquelas longas e penosas horas de emissão a preto e branco, nos idos de 70, com espaço e tempo marcado para partidos, movimentos, associações, grupos jantaristas, escuteiros, produtores de leite, eu sei lá...
Não foi há tanto tempo assim: em 1992, em mais uma de tantas mudanças de casa, fui à PT pedir telefone fixo na nova morada e responderam-me que, para a zona do Rato, a espera pela instalação rondava os três meses. As minhas humildes explicações – jornalista, uma newsmagazine que nasceria dali a algum tempo (era a “Visão”...) – não comoveram a funcionária que, num gesto de simpatia, apenas disse: “o máximo que podemos fazer, para não ficar incontactável, é alugar-lhe um telemóvel”.
Assim foi. Durante 3 meses, eu tive um telemóvel alugado à PT. Chamar-lhe móvel era um eufemismo: tratava-se de um caixote que pesava mais de três quilos e cuja bateria resistia 20 minutos. Mas aquele 0936 foi bastante útil à época.
... E eu lembrei-me deste episódio há poucos dias, quando sofri na pele a mudança na relação deste tipo de empresas com os clientes. Naqueles idos de 1992, a PT fazia o favor de me servir – hoje, faz tudo e mais umas botas para me ter como cliente. A PT e as outras...
O problema é que fazem, por vezes, demais. Em excesso. E foi isso que me apeteceu dizer quando entrei na loja da Zon para acabar de vez com a minha longa relação de fidelidade à TV Cabo. À pergunta “e quer denunciar o contrato por que motivo?”, apeteceu-me responder “excesso de atenção ao cliente”. Mas acabei por dizer a verdade.
A verdade é esta: esgotei a minha capacidade argumentativa depois de um ano a ser diariamente moído pelos serviços comerciais da Zon, que pretendiam oferecer-me promoções, preços maravilhosos, ofertas deslumbrantes. Ora, eu não queria receber aqueles telefonemas. Fui explicando aos interlocutores que era um tipo bem informado, que quando eu quisesse aproveitar alguma promoção trataria de contactar a empresa. Não funcionou.
Então perdi tempo e desloquei-me a uma loja da Zon, onde expliquei o problema. A expedita funcionária não apenas compreendeu como declarou que o meu telefone ía ser imediatamente classificado como confidencial e, por conseguinte, os serviços comerciais da empresa deixariam de me incomodar.
Falso. Nas últimas semanas recomeçou o martírio. Fui incomodado às dez da manhã, às nove da noite, até ao sábado – num mesmo sábado, por dois funcionários diferentes. Quando a coisa chegou aqui, e depois de ter sempre pedido para assinalarem no computador que este cliente rogava o favor de apagarem o número de telemóvel da ficha de contactos, fiz a ameaça fatal: se o meu telefone voltasse a tocar e fosse alguém a fazer uma oferta da Zon, eu rescindiria o contrato e contactava a concorrência.
Podem não acreditar, mas dois dias depois eu recebi, na mesma tarde, três telefonemas do já famoso 218627179. Num deles, e comigo já aos gritos, o “vendedor” chegou a mandar-me calar... Estava em Sintra, mas em três tempos cheguei à Loja de Entrecampos da Zon. O diligente funcionário começou por prometer colocar outra vez o número como confidencial, depois ofereceu-me um desconto de 5 euros, e por fim percebeu que eu não estava ali a perder tempo nem a pedir descontos. Estava a rescindir o contrato com uma empresa que nasceu a tratar mal os clientes e agora volta a tratá-los mal. No princípio, era negligência e falta de sentido comercial. Agora, é excesso de confiança, abuso de informação, e marketing selvagem. Alguém algum dia vai perceber que no meio fica a virtude? Alguém algum dia vai contratar responsáveis competentes para um serviço de marketing obviamente comandado por um bando de incompetentes?
Lembrei-me desses idos de 1992. Porque repentinamente fiquei com saudades de um tempo em que, por um lado, nada funcionava – mas, por outro, quando o telefone tocava, em geral eu queria atender. Espero que a Zon e os seus militantes do marketing invasivo desapareçam da minha vida, mas espero essencialmente que o operador que escolhi seja comercialmente eficaz e sensível...
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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