Estava a ler um artigo sobre as vantagens e inconvenientes da idade, daqueles onde se fazem listas de “prós e contras” e se procura dar ânimo a quem precisa de ser consolado pelo peso dos anos (não é o meu caso, apesar dos 44 que se vão notando aqui, nas brancas inconvenientes da memória, e ali, no “índice de massa corporal”...).
Às tantas, a autora do artigo cita uma frase que teria retirado de um livro: “Com os anos, tornamo-nos mais loucos e mais sábios”. E a seguir discorre sobre esta ideia, e tenta prová-la com exemplos que lhe dão jeito para levar a água ao seu moinho. Fiquei a pensar na frase.
Mais loucos? Sem dúvida. Mais sábios? Nem pensar.
Eu sei que quando se escreve “com a idade”, remete-se para patamares acima dos 50 ou mesmo dos 60. Mas eu tenho a sorte – é disso que se trata... – de ter amigos nessas faixas etárias, independentemente do que eu próprio sinto. E verifico que a mais saudável loucura vai chegando paulatinamente com a idade. Os anos passam e ganhamos uma carapaça que nos defende do exterior, por um lado, e nos orienta, por outro: “eu sou assim, eu sou este, quem não quer, vá de volta!” – e esta postura devolve-nos a loucura de usar umas calças fora de moda ou um chapéu verdadeiramente ridículo e estarmo-nos completamente “nas tintas” para o que “os outros” digam. Mas que interessa? Este sou eu! Esta libertação saudável é muitas vezes apelidada de “loucura” – mas loucos são, afinal, os que não conseguem libertar-se. Nunca me esquecerei do tio idoso de uma amiga minha que, certa noite, quis ir connosco à discoteca “Plateau” e nos ouvir dizer que era difícil entrar, e o porteiro isto, e o porteiro aquilo. Ele pegou na miudagem e avançou sobre as Escadinhas da Praia. Quando chegou à discoteca e o porteiro ensaiou o discurso sobre o consumo mínimo e os “clientes habituais”, o tio da minha amiga despiu o casaco, entregou-o ao porteiro e disse “arrume isto no bengaleiro e não se esqueça da minha cara!”. O porteiro, atónito, ficou a segurar a porta e o casaco enquanto nós todos entrávamos a rir...
Temos menos medo das palavras quando somos mais velhos, e dizemos o que pensamos, interpelamos, somos capazes de nos chegarmos à frente e reclamarmos os nossos direitos, sem nos sentirmos excessivos. Parece que a idade nos torna inimputáveis – e por isso desabridos, sinceros, e com aquela certeza única do “não tenho nada a perder”. Isso é loucura? Receio sinceramente que não...
Já sobre a sabedoria... É um facto que o passar do tempo tudo ensina, e nos empurra frequentemente para a clássica frase “se eu soubesse o que sei hoje...”. Mas as surpresas que a vida sempre nos reserva, os momentos inesperados, as contradições e os paradoxos, as revelações e os ensinamentos, tornam-nos mais humildes, com mais dúvidas, menos seguros. Somos mais sábios? Se calhar somos, mas não é isso que sentimos. É o contrário. Um dos velhos notáveis com quem tive o prazer de trabalhar era o mais inseguro dos colaboradores de um projecto editorial que envolvia dezenas de pessoas, a maioria das quais muito nova. O contraste era brutal: os mais novos, na arrogância e soberba que nem a idade nem o talento lhes permitiam usar – e os mais velhos, entre os quais o escritor e pensador a quem me refiro, cultivando uma inesperada e para mim inquietante humildade.
Seremos sábios, mas ganhamos a relevante sabedoria da humildade. Seremos loucos, mas a loucura da idade é a única que tem dons de normalidade. Voltando então ao começo: o que os anos nos tornam? Melhores. Muito melhores.
Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman
À medida que vejo a evolução da tecnologia doméstica – de que o Meo é apenas uma face mais visível, mas onde posso envolver o aquecimento central computorizado, a Internet wireless, ou até as estações meteorológicas caseiras -, não deixo de me espantar quando saio de casa pela manhã e vejo um papel colado na porta da rua a anunciar para o dia seguinte a visita do homem da EDP que vem “contar a luz”, ou o da EPAL que vem “contar a água”. Sei que já há modernismos nestes sectores, nomeadamente a contagem enviada por sms ou por telefone – mas olho os contadores, cheios de números e com o mais pré-histórico dos aspectos, e pergunto-me: quando é que estes aparelhos vão desaparecer daqui e passam a objectos cobiçados nas lojas de velharias e na Feira da Ladra?
A resposta, deu-me a melhor revista do mundo. Numa breve nota de quatro linhas da sua edição “Forecast 2009”, a “Monocle” informa que, na Alemanha, a companhia de electricidade Yello introduziu no mercado doméstico medidores de consumo que permitem ao cliente ver online, em tempo real, o que consome, o que poupa, e quanto custa, sem ter de abrir a porta a homens armados com máquinas tipo multibanco. Acabou essa coisa de “contar a luz”, e acabaram as surpresas das contas nos meses invernosos. Eu sabia que estava para acontecer.
Agora só falta um despertador que me acorde sem fazer ruído...
“Percebo o teu cepticismo, às vezes quase militante. Mas nem Manuel Alegre é sujeito para ser usado por Sócrates como predicado nem os homens de coragem se sentam à espera que passe a crise para depois, em fase de bonança, virem agitar as bandeiras. Manuel Alegre, acredito sinceramente, está magoado com o rumo do PS, como acontece com muitos dos seus eleitores naturais. Não façam dele um traidor: se o PS não tivesse maioria absoluta (e tantas vezes absolutamente acéfala), julgo que, mesmo a contragosto, Alegre não exigiria tanto rigor e tanta fidelidade aos princípios, entretanto substituídos pelos meios para atingir os fins... De resto, com o devido respeito, há muito tempo que não se ouvia discutir ideias - e algumas francamente boas - como aconteceu neste Fórum das Esquerdas. Talvez o problema seja o espírito redutor com que se aborda a questão: para muitos, só interessa saber se há novo partido (força eleitoral) ou não. Ora o drama principal da nossa democracia (a juntar à incompetência, à pequena e média corrupção, à ausência de debate ideológico) talvez more precisamente no envelhecimento dos edifícios partidários, mesmo aqueles que fazem questão de pôr sempre "os jovens" à frente... Pela parte que me toca, tenho alguma esperança em que Alegre não deixe destruir o que conquistou (um milhão de votos contra todas as máquinas partidárias, até a do partido no poder) e possa pelo menos travar a selvagem aceleração liberal da rapaziada que manda. Ingenuidade minha? É possível. Mas também é provável que já não consiga viver sem ela. Abraço.”
E eu respondo:
Meu amigo e compadre João, o problema é mais amplo, como eram amplas aquelas liberdades de há uma porrada de anos: eu olho para Alegre e vejo mais cinismo, “complot”, e espertice saloia do que nos seus previsíveis companheiros de estrada. Eu vejo o homem que viveu sempre à sombra do PS, ganhando fama ao sol da crítica ao próprio PS. O tipo que está mas não está, o tipo que aproveita o melhor dos dois mundos: o partido dá-lhe as benesses e o lugar na Assembleia, e depois o tom critico alimenta-lhe o prestigio e a aura de impoluto lutador de passado garboso e medalhado.
Manuel Alegre faz-me lembrar a Olívia patroa e a Olívia empregada: conforme lhe dá jeito, ele é a Olívia do PS ou a Olívia das “novas esquerdas”. Uns dias recebe a massa do sistema, nos outros prefere a massa critica. E aqui, João, massa também é dinheiro, carcanhol, guito, arame, por aí fora. Eu vejo o homem da luta política na ditadura – mas vejo-o longe e bem comido, em Argel e em Paris, vida boa e tranquila. Também vejo o vice-presidente da AR com direito a motorista que, se for caso disso, o leva à caça.
Eu sei que naquele partido dá igual e vale tudo, mas bolas: ele é o homem da indignação, é o homem que diz não. Mas não: o homem diz talvez não, está na hora de pensar se é não, temos de lutar mais daqui a pouco.
Ele, na verdade, não se muda - e, com jeitinho, ainda vai ganhar mais um bocadinho de terreno no PS que está, porque a maioria absoluta obriga a engolir absolutamente os Alegres desta vida. E é isso que é triste.
Quanto ao essencial, tens razão: mais céptico do que nunca. Mas teu amigo, eternamente.
Observando Manuel Alegre a discursar no Fórum das Esquerdas, sob os olhares cândidos e derretidos de Louçã, Ana Drago e mais uns tantos, e sendo certo que o poeta não deixou de ser militante do Partido que governa Portugal, ocorre-me que ele esteja ali enviado pelo próprio José Sócrates...
... Como quem diz: vai lá arrumar aquilo, camarada! Nos soundbytes dos Telejornais, calas a esquerda festiva e deixas os outros sem pio. Colocas o PS no sítio certo, bem no centrão, para ver se reconquisto a maioria pela via direita. E se acaso te quiseres queimar, avançando como alternativa, escolhes o momento indicado: em tempo de crise, todas as aventuras fracassam. Ou seja: serás mais um nessa enorme prateleira de candidatos repletos de passados. Manuela Ferreira Leite promete fazer-te companhia em breve.
Um. O disco que a imagem inspira. É muito feliz o encontro entre Rodrigo Leão e Rui Reininho na 13ª faixa de “Companhia das Índias”. Juntamente com a versão de “Faz Parte do Meu Show” (eternamente, Cazuza...), justificam o investimento no disco de estreia a solo do Rui.
Dois. O novo livro de Jefrey Archer, “O Condenado”, traduzido para português e editado a tempo do Natal. A prisão fez bem a Sir Archer – a escrita voltou a ser mexida, rápida, e a trama muito ao meu gosto, isto é: livro de aeroporto perfeito. Em poucas horas foram os primeiros 15... episódios, melhor do que dizer capítulos...
Três. O vinho para acompanhar o bacalhau do Natal. Deixei-me conquistar pela Colheita Seleccionada do “Monte das Servas”. Uma excelente relação preço/qualidade, como gostam de dizer os especialistas, mas acima de tudo um tinto frutado que me convenceu à mesa da Adega do Isaías, em Estremoz.
As notas para apresentar o livro “Transa Atlântica”, da Mónica Marques, incluíam itens assim, soltos, seguidos, para falar e desenvolver em cima deles. Um improviso organizado, como faço sempre (aprendi cedo que o melhor improviso é aquele que previamente se escreve...). Um guião, é disso que se trata. No caso, este:
- É sobre a língua portuguesa e a língua portuguesa que se fala no Brasil. É um livro mestiço, misturado, no mais sensual que isso pode ter e ser. Tem jeitinho brasileiro, é arredondado, mas é claramente de uma portuguesa.
- É um texto sensual, melhor palavra para definir o livro: sensual
- É um texto muito igual à nossa vida: esconde sentimentos por detrás de gestos bruscos, mostra-se rude apesar da inocência e do carinho. Vive entre a luz e a sombra – é um retrato do nosso tempo.
- É o primeiro livro de uma romancista no que isso tem de mais rico: primeiro olhar, impulso, abismo, sedução, pulsão.
- Ela namora e seduz o leitor – e fá-lo com desarmante simplicidade. - Ela enrosca-se nos factos que vai descrevendo - daí resulta que cada passo do livro nos pode deixar a pensar ou seguir em frente. Tb tem qq coisa de brasileiro...
- É possível ler de rajada – lê-se depressa. Ou ir saboreando. Devagar. Obrigando-nos a pensar.
- É um livro de aforismos, tem qq coisa de manual de instruções... - - - Dá vontade de voltar
- Voltar a um livro é bom
- Um livro parecido com as pessoas nas nossas vidas segundo uma amiga minha: ela dizia que as pessoas que passam pela nossa vida deixam-nos presentes. Os presentes ficam cá dentro, embrulhados. Uns são bons, outros não. Mas de vez em quando um desses presentes abre-se.
Quando nos confrontamos com os nossos medos, dramas, alegrias, traumas, enfim, qdo nos confrontamos...
- Este livro tem presentes lá dentro. Essa é a originalidade, esse é o talento da Mónica, saber trabalhar estas ideias, estas peças do puzzle – e talvez nós sejamos isso, uma espécie de peças de Lego sempre a serem mexidas, construídas, destruídas, renascidas. Talvez sejam assim as mulheres de 40, os homens de 40.
Era este o guião. Durou dez minutos, pelas minhas contas.
... E não me correu mal. Até falei do Júlio Isidro, mas isso agora não interessa nada.
Vi a Mónica feliz e depois vinguei-me nas caipiroskas. Fechei a noite entre amigos num bar de sempre. Que bom.
Para uma pequena participação num programa de TV, pediram-me a incontornável lista das figuras e acontecimentos do ano. Na categoria “acontecimento”, pretendem um de carácter ”nacional” e outro “internacional”.
Por mais voltas que dê, acabo sempre no mesmo ponto: a crise financeira internacional mostrou-nos o que é, como funciona, e para que serve a globalização. Nessa medida, é ao mesmo tempo o acontecimento do ano nacional e internacional. Em simultâneo. Em tempo real.
A ideia de facto que marque diferentemente um espaço nacional e outro “lá mais longe” morreu em 2008. Estamos todos, definitivamente, no mesmo barco.
Espero que me percebam quando explicar isto no programa.
“Não tenho inimigos porque me dá muito trabalho - não posso pensar que vou gastar parte da minha energia, que me faz tanta falta, a zangar-me. Não acredito que da discussão nasça luz. Nunca aprendi nada a discutir, e sempre aderi ao que as pessoas me dizem com um espírito de afecto e comunhão”.
António Alçada Baptista a Anabela Mota Ribeiro, no DNA, em 28 de Agosto de 1999.
O design gráfico é talvez o vício que o olhar mais frequentemente denuncia em mim. Sem que queira, dou comigo agarrado a uma página de jornal, a uma capa de revista, a um logótipo de uma marca, estudando o caminho que originou a arte final, descobrindo os segredos daquela solução, pensando como resolveria se o problema me tivesse sido colocado. Se não fosse pela escrita, o meu caminho teria sido pelo grafismo, ou pela cozinha…
Ontem, andava à chuva em Vila Viçosa, Alentejo, onde sempre me sinto como se lá tivesse nascido, e o olhar obrigou-me a abrandar nesta esquina, nesta placa: por mais imperfeito que tecnicamente seja, o lettering usado na Rua Guerra Junqueiro, o desenho do “R” de “Rua”, a composição das diversas declinações do mesmo tipo de letra, impressionaram-me e mexeram com a minha sensibilidade. O autor desta obra de sinalética tinha do desenho da letra noções que escapam à maioria dos comuns artífices das nossas vilas e cidades. Fosse quem fosse, estava à frente no seu tempo. Lá tirei a máquina fotográfica do bolso.
… E depois, havia ainda a caracterização do nomeado, responsabilidade de quem na edilidade chegou a Guerra Junqueiro para nome de rua: “poeta ilustre”. É de uma desarmante e tocante simplicidade. “Ilustre” - que melhor designação para um poeta que, tendo nascido em Freixo de Espada à Cinta, dá nome a uma rua de Vila Viçosa? Afinal, trata-se uma transversal da Rua Florbela Espanca, ela sim, uma mulher da terra…
Mas na verdade o que me tocou foi o desenho e a composição deste lettering num domingo chuvoso de Dezembro no Alentejo. O resto é mais para compor o post, como se fosse um sinal gráfico que “arredonda” a página.
“Um caracol japonês subia lentamente ao longo de um tronco de cerejeira. Estava-se em Fevereiro, ou Março. O caracol encontrou um insecto que lhe disse:
- Onde vais? Não está na época! Não há cerejas nessa árvore!
- Haverá quando eu chegar – respondeu o caracol sem parar”
Do livro "Tertúlia de Mentirosos"
De Jean-Claude Carrière
Edição portuguesa da Teorema, Tradução de Telma Costa
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.