Como viciado em imprensa, militante de jornais e revistas, sou dos que compra praticamente tudo. Não é impossível encontrar no meu mundinho revistas sobre decoração, culinária, moda, música, cinema, politica, psicologia, sociedade, e muitas cor-de-rosa, que me alegram as horas vagas. Só quem não gosta de imprensa não consegue perceber que compre com o mesmo prazer o El Pais, o El Mundo ou o ABC – isto é, jornais de direita e de esquerda, conservadores e modernos. É uma sorte, gostar do que se faz como se gosta de um hobbie...
... Mas há, no meio de tantas publicações, algumas cuja empatia natural, o estilo, a forma, as faz entrar no meu top ten pessoal. Entre essas, do topo da tabela, estava até hoje a “Portfolio”, uma mensal do grupo Condé Nast que tratava temas económicos com detalhe e rigor, sem perder de vista algum humor, imaginação e criatividade. Poderia ter sido uma “Vanity Fair” da economia, se tivesse tido tempo para viver. Não teve.
Submergiu no mar da crise, deixou 85 trabalhadores desempregados, incluindo os excelentes Joanne Lipman e William Li, responsáveis pela revista. Não é o melhor começo de dia para um amante do papel impresso. Mas é a notícia que me acorda hoje.
Já agora, e sem qualquer ordem definida, cá vai parte desse Top Ten (ou talvez mais que Ten...) de revistas: Vanity Fair, Esquire (edição espanhola), Saveur (edição norte-americana), Monocle, Wallpaper, Jamie, Olive, Condé Nast Traveller (edição italiana), Veja, The Atlantic. E a Portfolio, até agora...
Nasreddin Hodjâ, a seu modo, escolheu entre sonho e realidade. O seu filho disse-lhe um dia:
- Esta noite sonhei que me davas cem dinares.
- Perfeito – disse-lhe o pai – Como és um rapaz muito sensato, podes guardar esses cem dinares. Compra o que quiseres.
Lido na “Tertúlia de Mentirosos”, essa notável compilação editada e trabalhada por Jean-Claude Carrière (Edição portuguesa da Teorema traduzida por Telma Costa)
Sempre que passo por aqui, quero parar e fotografar esta placa. Mas como nornalmente tenho sede de chegar a este mar (foto abaixo), acabo por só parar quando há caracóis - não é o tempo... - ou quando volto e é de noite. Mas há sempre um dia em que penso: é hoje. E foi há bocado. Inesperadamente, é certo.
Vejo Rodrigo Guedes de Carvalho na SIC elogiar a ideia “original” da “Visão” desta semana, e leio depois na edição online da revista esta “forma interessante e pedagógica” de assinalar “os 35 anos do 25 de Abril”: publicar a revista com os cortes que a censura faria, se existisse, a traço grosso, azul.
Eu sei que a memória dos homens é curta, mas não foi assim há tanto tempo que uma equipa dirigida por mim teve a ideia - então sim, original... - de assinalar exactamente dessa forma a mesma data. Foi há 5 anos, no DNA, e até o processo de “censura” – técnico, gráfico, e editorial – foi agora fielmente “seguido” pela “Visão”. António Ruella Ramos e Vítor Direito (ver este post...) foram as nossas boas escolhas para “censores” – e também nessa matéria, a revista convocou uma dupla, Almeida Martins e Daniel Ricardo.
Falar de plágio é talvez “desajustado” nos tempos que correm. Já não há originais, já não há cópias...
... Por mim, prefiro pensar pela positiva: houve boas ideias no DNA que felizmente continuam a inspirar e ser usadas pelos nossos colegas...
A única palavra que me ocorre para a noite informativa de ontem é esta: previsível.
Previsíveis as perguntas. Previsíveis as respostas. Previsíveis os comentários. Previsíveis as reacções. Previsível o debate. Previsível a posição de cada um em cada debate. Previsíveis as sequências. A clara sensação de deja vu. Um Canal História em alta definição.
Como se estivéssemos perante uma novela (da TVI, porque não...), já se sabe que há beijos e choros e lágrimas e traições e um ou dois cadáveres. A “novela” assenta o seu sucesso na repetição de um modelo narrativo, e basta apanhar cinco minutos de um qualquer episódio para perceber toda a trama.
Nesta noite de Sócrates na RTP, houve novela: cada um cumpriu religiosamente o seu papel, multiplicando o efeito pelos vários canais de notícias, e o resultado foi a sistemática repetição do modelo anterior.
A política é cada vez mais um ritual. Para religião, só lhe falta a fé.
Num dos seus textos deste fim-de-semana no Correio da Manhã, a propósito das reacções à escolha de Paulo Rangel para a Europa-do-PSD, João Pereira Coutinho, cronista que admiro e sigo com gosto, refere-se ao mundo dos blogues como a “lixeira blogoesférica”.
Não vou contestar a opinião do João – mas vou lembrar-lhe, humildemente, que eu também tinha tendência a referir-me aos blogues de forma altiva e sobranceira, quando mandava palpites semanais na última página de um jornal diário (à época) de referência.
Depois, quando esse jornal “não quis mais” e os outros jornais e revistas não tiveram tempo para me responder aos mails, foi nessa presumível “lixeira” que me abriguei. Porque é livre. Porque pude. Porque existe. E apesar de “isto” não ser de ninguém, senti-me parte de alguma coisa.
Aprendi essa lição relevante, que passo ao João, se ele a quiser apanhar: o mundo é sempre o mesmo – só o lugar a partir do qual o observamos vai variando. É sensato não nos habituarmos à ideia de que o vamos ver sempre do mesmo ponto de vista. Porque um dia a lixeira pode transformar-se num espaço gourmet, como o que antes nos parecia longínquo pode subitamente estar à nossa frente.
O nosso comum amigo Miguel Esteves Cardoso já me tinha explicado isto vezes sem conta – mas eu demorei a perceber, é verdade.
"A rádio portuguesa ganhou, no 1º trimestre deste ano, quase 110 mil novos ouvintes, em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo dados ontem divulgados pelo Bareme Rádio, da Marktest. O número médio de ouvintes de rádio foi, entre Janeiro e Março, de cerca de 4,8 milhões, o que representa uma subida de 2,3% face ao mesmo trimestre de 2008. Os níveis totais de Audiência Acumulada de Véspera (AAV - percentagem de indivíduos que escutaram uma estação no período de um dia, independentemente do tempo dispendido) foram de 58,1% no 1º trimestre deste ano".
A Antena 1 foi uma das rádio que viu as suas audiência subir. O que constitui para mim a cereja em cima do bolo.
Para mim, nunca existiu o José Franco. Foi sempre o “Franco do Sobreiro” – como os meus pais lhe chamavam quando, uma vez por ano, nas férias de Verão entre o Penedo e a Praia Grande, havia um daqueles dias de tempo encoberto (o “capacete” de Sintra, quem não o conhece...), e lá íamos até Mafra visitar aquela miniatura de aldeia que o oleiro e ceramista criou e foi desenvolvendo ao longo dos anos.
É das mais ternas memórias que tenho de infância: a figura do “Franco do Sobreiro”, corpo curvado, a rodar a sua roda de oleiro, olhando para nós com vagar, enquanto moldava o barro que eu depois via acabado e cozido ali ao lado.
Os meus pais compravam-lhe barro fresco, enrolado em serapilheira, e eu fazia peças que depois pintava, secavam ao sol e duravam o que tinham de durar. Pouco.
Cresci e nunca mais lá voltei – a não ser, claro, quando fui pai (oportunidade mais que certa para voltarmos aos lugares onde fomos filhos...).
Há alguns anos levei então o António Maria ao “Franco do Sobreiro” – e apesar de um crescimento excessivo da obra e da transformação de todo o espaço numa Disneylândia rústica, confusa e muito virada a feira, deliciei-me a rever nos olhos do meu filho o mesmo fascínio que retinha da minha infância. Vemos nos olhos deles o que os nossos olhos guardaram, não é verdade?
Há bocado, navegando na net, soube que o José Franco morreu. E fui invadido por uma tristeza mansa, muito parecida com nostalgia. Como se por momentos me tivessem retirado um bocado do passado. Não é verdade, está cá tudo. Mas eu preferia pensar que pessoas como o “Franco do Sobreiro” jamais desapareceriam. E nem me apetece desenvolver teorias sobre a razão por que.
Embora saiba bem que o que nos enfeitiça e deslumbra na infância nenhuma idade adulta tem o direito de nos tirar.
(A fotografia é mesmo tirada no Franco do Sobreiro. Não sei que idade eu teria. Deve ser a minha irmã Fátima a autora da foto)
Acho sempre interessantes as reportagens sobre os tempos de crise: os portugueses compram mais atum em lata e menos carne, os portugueses trocam o peixe fresco pelos congelados mais baratos, os portugueses isto, os portugueses aquilo.
Nunca me exibem os dados que efectivamente me assustariam e deixariam perplexo. Esses dados seriam:
- Quebra do número de assinantes da SportTV
- Quebra de receitas nos estádios de futebol
- Quebra de receitas nos corners de unhas e nos cabeleireiros
- Quebra de receitas nas portagens e nas gasolineiras
- Aumento de receitas nos transportes públicos
- Aumento das “insolvências” efectivas (particulares) nos pagamentos dos carros
E mais uns tantos itens que não me apetece agora escrutinar.
... Enfim, que a crise existe e está instalada, não tenho duvidas – ninguém com bom senso terá. Já sobre a forma como os portugueses reagem à crise e refazem os seus orçamentos, gostava de estudos mais rigorosos, trabalhos mais próximos da realidade, e menos momentos palpitadeiros. Porque pode dar-se o caso da família portuguesa andar a poupar no peixe e na carne para manter a Sport TV, ou deixar de comprar o livro light anual para continuar agarrada à Maria e ao Record. Cortar no lombo para continuar a comprar a grade de cerveja não conta também...
E assim sendo, falem-me então da crise e dos seus contornos. Há, eu sinto-a bem na pele – mas dramatizar também não é o melhor caminho.
Leio na net uma nota de João Miguel Tavares. Diz o seguinte: “Por muito tentadora que possa parecer a ideia de ir a tribunal discutir tangentes entre o primeiro-ministro e a ex-deputada italiana, há que fazer justiça ao engenheiro Sócrates e ao escritório de advogados do dr. Proença de Carvalho e esclarecer que fui processado por muitas frases desse artigo, mas nenhuma delas inclui antigas estrelas de cinema pornográfico. Lamento pôr em causa tanta criatividade textual e visual que saiu em meu auxílio na blogosfera, mas opiniões são opiniões - e factos são factos”.
Pois é: factos são factos.
… Andou meio mundo a espalhar por aí que o processo se devia à frase “Ver José Sócrates apelar à moral na política é tão convincente quanto a defesa da monogamia por parte de Cicciolina” – e isso deu pano para mangas para a indignação, o protesto, a solidariedade, o gozo, a ironia, e até o abaixo-assinado. Afinal, parece que o processo tem outros contornos, e assenta sobre pressupostos diferentes. Talvez Sócrates queira ver João Miguel Tavares explicar em tribunal o que quis dizer, factualmente e com provas, quando escreveu: “A sua licenciatura manhosa, os projectos duvidosos de engenharia na Guarda, o caso Freeport, o apartamento de luxo comprado a metade do preço e o também cada vez mais estranho caso Cova da Beira não fazem necessariamente do primeiro-ministro um homem culpado aos olhos da justiça. Mas convidam a um mínimo de decoro e recato em matérias de moral”. Atrevo-me a admitir que é mais por aqui que a coisa deu para o torto.
Mas agora a lama já está lançada sobre o processo. E nunca ninguém se lembrará do confronto entre Sócrates e os jornalistas sem citar Cicciolina, ainda que provavelmente não se recorde, no futuro, o que sucedeu efectivamente em tribunal, se algum dia o caso lá chegar…
É claro que a grande virtude da blogoesfera é esta liberdade ilimitada, este caos onde todos podem passear – de alguma forma, um blog é um jornal de que somos simultaneamente redactor, colunista e director, e nessa medida um espaço pessoal sem fim. Mas nesta grande virtude há de vez em quando grande equívoco. Muito excesso. E frequentemente pouco ou nenhum rigor.
Se calhar, boa parte dos argumentos contra Sócrates – no essencial, perseguir a liberdade de expressão – desaparece quando se conhecer em pormenor o processo. O que eu gostava era de saber quantos dos que escreveram sobre o tema, usando a frase onde se fala de Cicciolina, terão agora a sensatez e a seriedade de emendarem o tiro. Afinal, se o mundo dos blogues é "viral" para espalhar um boato, também devia ser "viral" para o corrigir...
Lá está: corrigir, emendar, isso, bom, isso pede-se a um jornal – não se pede a um blog...
Adenda tardia: para quem queira ver neste texto a defesa simples de José Sócrates, vale a pena ler este post, onde sou bastante claro sobre o facto de não considerar o voto.
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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