Estava a olhar para a primeira página do Expresso da semana passada e parece que se acendeu a luz sobre o que queria escrever. Eu queria escrever sobre a “desconfiança óbvia” – ou seja, sobre a repetição sistemática do engano, da trapaça, do dito por não dito, da mentirinha, aquela repetição que começa por ser erro e se transforma progressivamente em traço de personalidade. Ou como costumamos dizer, “não é defeito, é feitio”. E de como a repetição do “acaso” resulta na eternização da desconfiança.
E foi mesmo isso: feitio em vez de defeito, ou defeito passado a feitio. Na primeira página do Expresso, há oito dias: Mário Lino diz que já não tem idade para estar no Governo, não admite vir a ser deputado, mas “não quer ficar parado”. Em circunstâncias normais, eu leria a entrevista e pensaria “bom, é natural, o homem tem 70 anos, está farto disto, bla bla bla”.
Mas o problema é que quem diz isto é Mário Lino. O Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações recordista de gaffes, ditos por não ditos, sapos engolidos e asneiras passadas a ferro nos jornais. Alguém confia naquilo que diz Mário Lino? Alguém lhe compra um carro… novinho em folha?
Eu não. “Jamais!”
Mas isso não é o pior – o pior é que Mário Lino vai alimentar a fogueira com que os portugueses brindam os políticos. Ele passou por este mundo, aterrará em breve, senão num lugar de estado, numa qualquer administração de empresa agradecida, e a vida segue tranquila. Mas do lado de cá fica o seu contributo para a desconfiança generalizada naqueles que governam: o militante do PCP que acaba no PS; o candidato autárquico de Oeiras que nunca exerceu; o ministro que defendia a Ota e engoliu Alcochete; o homem que chamou “um deserto” à margem sul do Tejo, depois de ser responsável pelas finanças do PCP e ter participado na decisão de comprar a Quinta da Atalaia para a Festa do Avante; o homem de Estado que foi a Santiago de Compostela dizer que era iberista; o engenheiro que sublinhou os prazos do TGV e depois engoliu o adiamento…
… Enfim, o homem que esvaziou o sentido das palavras ao ponto limite de ser indiferente o que quer que diga ou queira dizer. Mário Lino é o cartaz da desconfiança nacional – e simultaneamente o seu símbolo. É, a um tempo, a causa e o efeito. Não me espantaria se o seu apelido se tornasse adjectivo:
- Disseste que pagavas o almoço e agora dizes que não tens dinheiro? És cá um Lino…
- Não te armes em Lino e cumpre lá o que prometeste…
É fácil brincar com os efeitos perversos deste tipo de políticos no povo. Gozamos com as frase “são todos iguais!”, “querem todos o mesmo!”, “cambada de chupistas!” - mas elas resultam dos Mários Linos que ao longo de décadas têm passado pelos gabinetes do poder com os “Jamais!” desta vida e as ideias atamancadas em trabalho mal feito ou por fazer.
Não surpreende, por isso, que se possa atribuir aos portugueses esse lado desconfiado e de sobrolho levantado. Afinal, foi exactamente assim que me senti quando vi o Expresso e li “Já não tenho idade para estar no Governo”. Quem disse?
Um homem que nos deixa as canções que Michael Jackson deixa, não falando da iconografia, da moda, da construção cinematográfica dos videos, do marketing, do culto da imagem, nunca deixa de ser um génio. Por pior que fosse o seu lado lunar. A cultura popular deve-lhe um mar de talento e modernidade.
(Há dias em que só os lugares-comuns fazem sentido. Por serem de todos e serem sentidos.)
Como este post assinalou, é a época deles. Apanho-os como se apanham melgas nas paredes brancas das casas do Alentejo... Cá ficam os bracinhos de hoje:
Eu ia escrever sobre a contradição pegada do post de Pacheco Pereira sobre o tema “loura do regime” – porque não percebi se ele deu a entrevista por ser o i ou por ser a Maria João Avillez, e se foi só pela entrevistadora, isso significa que ele já estava desconfiado do jornal, e ele só não desconfia dos seus próprios artigos – e nunca se sabe se um dia destes não se atira ao Pacheco Pereira que escreve na Sábado, defendendo o Pacheco Pereira que escreve no Público.E havia mais mas falta-me o ar.
Uff, canseira...
Eu gosto de ler o Pacheco Pereira e tenho um sincero respeito e admiração pelo investigador (que muito me tem ajudado a perceber certa esquerda a que, há muitas luas, pertenci...). Também gosto do comentador de TV, dá luta e vai a jogo. Mas acho que abruptamente ele se tornou parecido com aqueles gatos a quem, por maldade, atam uma lata ao rabo: foge do ruído que provoca, é perseguido pela sombra, e nunca mais pára para pensar. No meio da louca corrida, ele prefere sempre matar o mensageiro e esquecer o autor da mensagem...
Sou benfiquista desde que nasci, não sei porquê nem nunca quis saber. Durante um período curto, fui sócio do clube, porque um amigo descobriu que o meu filho era sócio e eu não – o que significava, na opinião dele, algo contra-natura: mesmo que eu entrasse para o clube naquele instante, teria um “número de sócio” anterior ao do António Maria, o que não fazia sentido entre pai e filho.
Não liguei grande coisa, mas lá me tornei sócio. Julgo que, por incumprimento no pagamento de quotas, já fui “escovado”. Na verdade, o Benfica entusiasmou-me por causa do meu filho, e foi por ele que eu comecei a gostar de futebol, e é por ele que eu sigo a Liga, como sigo o seu desempenho enquanto federado de ténis-de-mesa (que parece neste momento ameaçado por falta de verba...).
Nunca me passou pela cabeça envolver-me nos assuntos do clube, ou sequer aproximar-me de tal passo. No entanto, nos últimos dias, ao ouvir o nome de José Eduardo Moniz como potencial candidato a uma lista para a Presidência do Clube, despertou em mim pela primeira vez o benfiquismo latente. Pensei: se o José Eduardo avançar, eu quero ajudar aquela lista a ganhar. E quero envolver-me no clube. Acreditei – acredito – que ao futebol fazem falta pessoas como o José Eduardo Moniz: uma formação distinta, uma cultura superior, que não se deixa esmagar pelas luzes da ribalta ou pelos dourados do poder, uma seriedade indiscutível e uma capacidade de gestão que convoca modernidade e eficácia.
Digo isto sem qualquer razão suplementar: trabalhei com o José Eduardo Moniz enquanto de mim precisou, não voltei a trabalhar com ele (já lá vão 10 anos) porque não voltou a precisar. Nunca fez o favor de me ajudar nem eu a ele, que de resto nunca precisou – pelo que, para todos os efeitos, estamos a zeros.
Se me entusiasmei com a ideia Moniz-Benfica foi porque vi nela o que falta ao futebol português: ventos de mudança, mudança feita com gente que olha o desporto, o negócio e a gestão de forma profissional e culta. A cultura e a gestão de mãos dadas são o segredo do sucesso – e essa aliança, que Moniz tem em si, tarda em chegar à bola.
Á noite, quando vi a notícia de que o director-geral da TVI não avançava, enrolei a bandeira, perdi aquele “minuto” de entusiasmo e voltei ao meu “lugar cativo” de sempre. O lugar de quem assiste, sem entusiasmo maior do que o óbvio, ao mais do mesmo que fustiga o Benfica há anos demais. Fica para a próxima.
Fui conferir à implacável Filofax: sexta-feira, 7 de Março de 2008. Reencontrei o José Calvário à mesa do “Polícia”. Pusemos a conversa em dia, como fazíamos a espaços, nos últimos anos cada vez mais alargados, porque as circunstancias das vidas de ambos assim o ditaram.
Almoçámos arroz de pato, e ele comeu pouco, como sempre, e fumou muito, como sempre. Não ligou ao facto de eu já não fumar. Ele achava era que eu estava com projectos a menos – o que era verdade – e ele tinha projectos de sobra, o que nos fez rir, como era costume. Desafiou-me então para o acompanhar numa ideia que, a concretizar-se, mudaria a vida dele, a minha, e a de mais uns tantos. Ainda desenvolvemos um pouco essa ideia por telefone, e numa breve troca de mails.
Não se concretizou. Não voltei a falar com o meu amigo José Calvário.
Tinha umas novidades para lhe contar. E tenho a certeza de que ele teria ainda mais – e um disco discreto, que ninguém conhecia ainda, para eu ouvir.
A fotografia que aqui deixo, do meu arquivo pessoal, foi tirada durante o primeiro e mais divertido projecto em que tive o privilégio de ser “chefiado” pelo José Calvário: O Prémio Nacional de Música, na Figueira da Foz, em 1988.
É que, apesar dos ares condicionados dos automóveis, persistem alguns tiques e manias do português. Uma dessas manias é monitorizada por mim e pelo meu filho há vários anos e afere o índice de “bracinhos” que circula nas estradas nacionais. Temos até uma pontuação para o tipo de “bracinhos” que avistamos: duplo (quando é comum ao condutor e acompanhante, 3 pontos), braço inteiro (só condutor, como na foto, 2 pontos), ou meio-braço (condutor com um pouco de cotovelo à vista, 1 ponto). Há quem considere também o braço levantado até ao tejadilho, mas essa categoria está ainda por homologar...
Fazemos viagens divertidas a contar “bracinhos” e a gozar com esta pose popularizada por motoristas de táxi, mas muito difundida também entre condutores do famoso e muitas vezes “tunneado” Seat Ibiza. Este fim-de-semana longo, ousei fotografar um “bracinhos” de Citroen na estrada que liga Sines ao Cercal do Alentejo.
Está um “bracinhos” perfeito, falta-lhe porém uma pulseirinha dourada a descair para a palma da mão, que valorizaria em muito a imagem...
Daqui a bocado nas bancas. E sim, é publicidade totalmente gratuita num blog também gratuito, pessoal, com o meu nome em cima, e onde só vem quem quer. Por isso, dispenso cobranças... Tudo o resto, como sempre, é bem vindo...
Aqui há dias, num daqueles inquéritos que os jornais e as revistas fazem quando manifestamente lhes falta assunto, perguntaram-me que livros andava a ler. Sou um leitor desorganizado, caótico, e muito pouco ortodoxo – e na mesa-de-cabeceira acumulam-se romances que comecei a ler e não acabei, livros sobre jornalismo que nunca abri, e até mesmo o famoso guia da dieta de South Beach, que por diversas vezes tentei aplicar, sempre sem sucesso, sempre sob o pretexto de que ainda não acabara de ler o livro, logo não fazia sentido iniciar a dieta…
Além disso, sou sincero: há períodos da existência em que o excesso de trabalho me deixa esgotado e sem paciência para a essencial e saborosa meia hora de leitura antes de adormecer. Não tenho a pretensão de ser um intelectual encartado…
Estava então a pensar nas respostas ao tal inquérito e fui ver quais eram os últimos livros em que tinha pegado. É fácil fazer esse levantamento: na pilha ao lado da cama, os que estão no topo são os mais recentemente manuseados.
Havia dois, ambos cheios de post-its colados. Tinham sido objecto de atenção há duas semanas, durante três ou quatro noites. Eram…
… Eram dois livros de receitas. Um, de cozinha indiana. Outro, de tapas espanholas (na realidade, bascas). Num primeiro momento, achei que não fazia sentido responder ao inquérito dizendo que os livros que andava a ler eram sobre temas culinários. Mas depois pensei melhor e aceitei esta realidade, que partilho hoje: ler livros de receitas, livros sobre gastronomia, constitui para mim um prazer comparável à leitura de um romance, de um conto, às vezes até de um poema.
Desde que descobri os prazeres da cozinha, há dez anos, a vida ganhou um novo ponto de apoio, uma espécie de rumo alternativo. Eu era apenas um apreciador da boa mesa, um amante do sabor apurado – mas à medida que me fui aventurando nos tachos e nas panelas, tornei-me um “especialista amador”, um apaixonado pelos sabores, um militante dos cheiros, dos temperos, dos condimentos. Estou longe de ser um cozinheiro, ou de ter com a confecção a relação de confiança que tenho com as palavras e a escrita, mas esse caminho é cada vez mais óbvio para mim e sinto uma felicidade difícil de descrever quando dou mais um passo, quando descubro um segredo, quando vejo pessoas felizes à mesa lá de casa. Cozinho praticamente todos os dias, e é um dos momentos sublimes dos meus melhores finais de tarde - chegar a casa, entrar na cozinha e perguntar-me, sem sequer pensar se sou só eu à mesa, se somos dois, se somos seis: o que vou fazer para o jantar?
Este “novo” amor que se instalou no meu mundinho teve consequências para lá de visitas frequentes às lojas especializadas: fez aumentar brutalmente a biblioteca de livros sobre estas matérias. E esse aumento fez nascer uma nova paixão: a leitura dedicada de receitas, de truques, de dicionários sobre especiarias, molhos, culinárias de todo o planeta.
Quando leio uma receita, vou imaginando o seu resultado, pensando em alterações possíveis, adaptações ao meu paladar ou aos condimentos que estão disponíveis. Muitas vezes imagino também as pessoas para quem cozinharia, ou as circunstâncias. Como se costuma dizer, “viajo na maionese”…
… E nessa viagem percebo que um livro de receitas pode ser tão rico, emocionante e, vá lá, “saboroso”, como o romance mais fascinante. Foi por isso que, na resposta ao tal inquérito preguiçoso de jornal, não hesitei - à pergunta “que livro anda a ler?” eu respondi sumariamente, mas de peito cheio: um excelente romance cheio de receitas culinárias…
Crónica originalmente escrita para a revista Lux Woman.
1. Manuela Ferreira Leite, sem jeito para comícios, sem saber como viver na era do mediatismo, um verdadeiro camafeu isolado dentro do seu próprio partido, acordou ontem como potencial primeira-ministra de Portugal, renascida de cinzas onde pelos vistos nunca ardeu.
2. O eleitorado, obviamente manipulado pela RTP – e pelo jornalismo, em geral... -, absolutamente subjugado ao marketing eleitoral socialista (e muito pouco inteligente, dado o grau de influência que sofre da propaganda governamental...), tornou-se, afinal, um exemplo de perspicácia, esperteza e capacidade de destrinça politica. Para não falar de resistência ao bicho-mau do marketing.
3. Vital Moreira, essa arma mortal que ía atrair a esquerda ao PS, parecia ontem um balão atingido por uma agulha, e esvaziava-se pelo ar a alucinante velocidade.
4. As sondagens, verdadeiras máquinas enfardadoras de votos e pessoas, partidos e liberdades, não acabaram de vez com o CDS/PP, como o próprio previu, e até lhe deram, de alguma forma, mais uma vitória.
5. A expulsão de Joana Amaral Dias e o afastamento de José Sá Fernandes, mortais para o Bloco de Esquerda, transformaram-se em sinais de vitória antecipada.
6. ... E, por fim, até a notícia da morte do PCP parece manifestamente exagerada.
Portugal era um país no sábado. Acordou outro na segunda.
Parece provado que nem o PS manipula tanto quanto julga nem Pacheco Pereira tem sempre a razão que explica a sua pose a um tempo paternal e arrogante.
Se calhar Portugal era, no sábado, o mesmo país que hoje é. A diferença é que havia mais pessoas cheias de certezas. O que não é mau: sempre alivia a pressão e força alguma contenção...
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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